“Nem sempre escolhi os melhores caminhos”

PT200602_002.jpg

Jorge* foi taxista em Lisboa. Volvidos anos, trocou o volante do ligeiro por um camião e fez-se às estradas da Europa. As curvas da vida conduziram-no por vários altos e demasiados baixos. Viveu em Inglaterra, conheceu a Irlanda. Casou. Foi pai. Viveu a estabilidade e o sonho de uma família e de uma casa feliz. Acordou para um divórcio, transformado em desemprego, em solidão, em sem abrigo. Aos 54 anos olha pelo retrovisor da vida e vê alguns remorsos: “nem sempre fiz as melhores opções, nem sempre escolhi os melhores caminhos”.

 

Existe um arrependimento e uma mágoa que curvam o olhar. Uma timidez que encurta as frases, que poupa nas palavras, que economiza nos afetos. Existe uma culpa que o empurra para um lugar frio e triste, onde o perdão a nós próprios é mais dolorosa das solidões, mesmo quando nos visita vestida de apoio e aceitação alheia.

 

A revolução dos cravos trouxe consigo uma liberdade bruta sem manual de instruções. Terminada a ditadura, a sociedade portuguesa conheceu toda uma catarse de novos comportamentos, estéticas, formas de expressão e sobretudo de descompressão. Na vertigem da espuma desses dias loucos de utopia, de descoberta sem censura nem aviso, o universo das drogas ocupou um protagonismo até então desconhecido, entrando de forma avassaladora na vida de milhares de jovens.

 

Ainda adolescente, Jorge experimentou porque “não queria que o grupo de amigos me achasse diferente”, diz. “Na altura—recorda—não havia conhecimento sobre drogas nem dos seus efeitos. Era tudo novo. Não víamos ninguém a mendigar ou a viver na rua a quem pudéssemos dizer: olha o que a droga fez aquele tipo. Mesmo os meus pais queriam ajudar mas não sabiam como. Não existiam gabinetes nem institutos de apoio”.

 

Sem tempo para ler “Os Filhos da Droga”, de Christiane F., que serviriam de aviso exemplo para a geração seguinte, Jorge assistiu à morte de grande parte dos amigos, incapazes encontrarem uma saída para a inesperada dependência. “Não é nada fácil sair, acredita”. Felizmente, Jorge conseguiu. “Tens de voltar a acreditar em ti”, diz.

 

Atualmente, tem emprego, é jardineiro. Tem um quarto alugado e tempo suficiente para passear pela cidade. Na AMI encontrou apoio, formação, caminho, afeto. “Ajudaram-me bastante, deram-me um futuro”.

 

O Abrigo Noturno da Graça celebra hoje 18 anos. Inaugurado em 11 Novembro de 1997, este equipamento social já ajudou mais de 700 pessoas. Disponibiliza 26 camas e um programa de apoio psicossocial a pessoas em situação de sem-abrigo.

 

* Nome fictício

Fotografia: Nuno Lobito

 

 


Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

You may use these HTML tags and attributes:

<a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>