Medicina e partilha de conhecimento

Seja na formação de profissionais ou na gestão de um projeto sobre literacia em saúde e mudança de práticas nefastas para jovens mulheres e crianças, Sofia e Teresa já deixaram Portugal várias vezes, para cuidar de comunidades em diferentes pontos do mundo.

Sofia Grilo, em missão em Madagáscar e Teresa Mota, na Guiné-Bissau, não imaginam a medicina sem a partilha de conhecimento, para que todos, em qualquer parte do mundo, um dia possam ter acesso a cuidados de saúde. Acreditam que, “apenas com a partilha a medicina faz sentido” e dessa forma defendem as comunidades que temporariamente abraçam como suas, colocando a saúde infantil em primeiro lugar.

Sofia sempre acreditou no poder que o conhecimento tem, para transformar a vida de pessoas, e quando escolheu a medicina como profissão queria concretizar esse ideal.

“O que encontramos nas missões é muito diferente do que imaginamos e do que temos em Portugal, mas representa a oportunidade de levar algo mais onde há tão pouco”, afirma Sofia Grilo.

Antes de Ampefy-Andasibe, em Madagáscar, onde está a dar formação a profissionais de saúde no Centro Médico-cirúrgico Saint Paul, no âmbito do projeto promovido pela AMI em parceria com a organização Change Onlus, a pediatra de 28 anos passou pela Grécia e Moçambique.

Em Ampefy, a realidade é muito diferente da rotina enquanto médica a fazer internato no Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca. Naquela região de Madagáscar “não é raro ver uma carroça fazer de ambulância”, especialmente para transportar mulheres em trabalho de parto.

O acesso a cuidados médicos é difícil. Quando chove, apenas com recurso a uma mota se conseguem entregar medicamentos porta a porta. “A distância de cinco quilómetros, para acesso a cuidados de saúde, recomendada pela Organização Mundial de Saúde, não é garantida”, por isso, quinzenalmente, “o Centro Médico-cirúrgico de Saint Paul organiza clínicas móveis, com consulta e medicação gratuitas, incluindo na equipa um médico, uma enfermeira e uma parteira”.

216 milhões de crianças em África sofrem de desnutrição

Na chegada às localidades, a equipa presta cuidados médicos, ações de sensibilização sobre o uso de medicamentos, desidratação, as causas de diarreias, doenças respiratórias e alimentação saudável, mantendo como foco principal a saúde infantil e as elevadas taxas de malnutrição.

Segundo o Banco Africano de Desenvolvimento “pelo menos 216 milhões de crianças em África sofrem de atraso de crescimento e de subnutrição”, sendo esta a “principal causa de morte entre as crianças com menos de cinco anos na África Subsariana, a seguir à malária”.

Em Ampefy, 57,4% das crianças têm desnutrição crónica. Todos os meses são feitos rastreios a 1.000 crianças. E, “por ano, 200 crianças recebem tratamento nutricional, o que implica que, semanalmente, sejam dados alimentos terapêuticos, no Centro Médico-cirúrgico Saint Paul e em outros pontos de distribuição”.

Nas comunidades mais isoladas, a clínica representa, sobretudo, mais cuidados para as crianças, porque um dos maiores problemas das comunidades é a troca da medicina por tratamentos alternativos, xamânicos.

Recentemente, “um menino com 18 meses apresentava malnutrição severa, tendo apenas quatro quilos, depois de regressar da casa de um familiar, onde esteve a receber tratamento alternativo, sem que o mesmo fosse interligado com tratamento médico. Além da malnutrição, tinha tuberculose”.

Após alguns tratamentos no Centro-Cirúrgico Saint Paul perdeu-se o contacto com a criança e quando a equipa da clínica móvel se dirigiu à morada indicada pelos pais, soube que estava novamente sob os cuidados do xamã. Quando a criança regressou ao centro, “a sua condição tinha agravado ao ponto de não ter qualquer apetite”, necessitando de um tipo de leite que o Saint Paul não tem de momento.

Embora a malnutrição seja o grande problema local, o que mais motivou a missão de Sofia foram as formações para profissionais de saúde. Sofia sempre pensou, um dia, colocar o conhecimento que viesse a adquirir à disposição de outras colegas de profissão ou de pessoas em situação de vulnerabilidade, “o conhecimento só vale a pena se for partilhado para criar algo, para uso comum”, considera.

Saúde comunitária, uma solução

Na Guiné-Bissau, Teresa Mota dá continuidade a um projeto de saúde comunitária que já mudou a vida de várias gerações de mulheres. Fotografia: José Ferreira

Atravessando o continente africano, em direção a Bolama, na Guiné-Bissau, a médica Teresa Mota está pronta para abraçar a gestão do projeto de saúde comunitária da AMI, que há cerca de 20 anos apoia a população local com cuidados de saúde, distribuição de medicamentos, realizando ações de sensibilização sobre saúde materno-infantil, alimentação saudável e prevenção sobre malária, doenças respiratórias e diarreicas.

“Depois de estar em missão junto das comunidades indígenas da Guatemala, a cerca de dois mil metros de altitude, num local onde, da saúde à alimentação diária, tudo era um desafio”, Teresa dará continuidade ao trabalho da AMI na Guiné-Bissau, que representou para gerações o acesso a cuidados de saúde e informação que, de outra forma não seriam possíveis.

Na bagagem leva formação em Medicina de Catástrofe e experiência em saúde da criança e do adolescente, saúde sexual e reprodutiva, intervenção comunitária, vacinação e educação para a saúde”.

Pela primeira vez, Teresa vai trocar um pouco da prática clínica pela organização e supervisão, ficando “mais ligada à gestão do projeto de saúde comunitária, organização de equipas”, mas, está certa de que encontrará tempo e meios para “manter os cuidados médicos à comunidade”.

“Ainda há muito trabalho a fazer pelos grupos mais vulneráveis”, afirma Teresa, que mantém nos seus planos continuar a “participar em missões humanitárias para garantir cuidados de saúde que deveriam estar acessíveis a todos, em toda a parte do mundo, e que, infelizmente, ainda não estão”.


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