“O maior problema da restauração não é a falta de mão-de-obra, é a falta de condições de trabalho”

Foto: DR
Com um salário de 880,00 euros e uma renda de 550,00 euros, Jefferson Locateli receia pelo futuro da família

Material escolar, apoio alimentar e ajuda financeira da AMI para despesas extraordinárias com medicamentos, gás ou luz, representam a rede de segurança de muitas famílias. Um trabalho e um salário não chegam para enfrentar renda de casa e alimentação inflacionada.

Quando Jefferson Locateli assumiu a guarda total das filhas imaginou a sua vida mudaria, “não contava que o trabalho seria insuficiente para dar à família tudo o que precisa”. Para sair da “rotina desregulada” dos restaurantes e pastelarias onde sempre trabalhou e passar tempo de qualidade com as filhas, escolheu trabalhar na cozinha de uma cooperativa de solidariedade social.

A sua carreira sempre passou pelo ritmo frenético de um balcão e casamentos e batizados nos horários livres. Nesta paixão que há quinze anos o acompanhou do Brasil até Portugal descobriu que “o maior problema da restauração não é a falta de mão-de-obra, é a falta de condições trabalho para os seus profissionais”.

Ana Jacinto, secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, afirma que são necessárias “medidas que ajudem ao fortalecimento das empresas”, porque “a inflação nos produtos alimentares ascendeu a 20%”. O começo da mudança deve ser “a revisão da fiscalidade sobre o trabalho” a seguir “facilitar a entrada de imigrantes porque não há mão-de-obra suficiente no sector”.

Por outro lado, a Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), onde se enquadra a maior parte do sector da restauração, afirma que o Governo “marginaliza estas empresas e empresários dos programas e apoios existentes, canalizando-os quase em exclusivo para as grandes empresas e corporações”.

Em comunicado, a CPPME garante que vai “pugnar para que as micro, pequenas e medias empresas, que são 99,6% do tecido económico nacional e que empregam 77% do total de trabalhadores das empresas não financeiras, sejam consideradas e incluídas, com dotações específicas, no Plano de Recuperação e Resiliência e o porgrama Portugal 2030”.

Com o sector a enfrentar uma crise “e a proteger pouco os profissionais” Jefferson não pretende voltar atrás na sua decisão. “Por nada trocaria as horas no parque ou jogos em casa, com as minhas filhas. É tempo que não se recupera”, afirma. A certeza não o livrou de “passar muitas noites em claro a pensar em como será o futuro se, por exemplo, a renda da casa aumentar ou surgir um problema de saúde”.

Encontrou apoio do Centro Porta Amiga de Cascais quando surgiram dificuldades em assegurar o material escolar das filhas, “mas a ginástica para manter as contas de água, luz e gás, sem faltar nada na alimentação, já era muito grande”. Começou a receber também apoio alimentar e, quando surge dificuldade em pagar a conta de gás ou medicamentos.

Com um vencimento de 1000,00 euros brutos, após descontos fica com 880,00 euros para pagar 550,00 euros de renda, que é um achado em Cascais. Se não tivesse o apoio da AMI, “tudo seria muito complicado”.

Responsável pela cozinha de uma cooperativa de solidariedade social, todos os dias usa o seu trabalho para “levar algum conforto à vida de quem mais precisa”.

Na restauração já teve “salários altos, em empresas que só declaravam metade”, trabalhou em “turnos alargados para deixar horas num banco que apenas pode usar no inverno, desencontrado do tempo da família”. Outras empresas “pagavam subsídios de Natal e férias, obrigatoriamente, em duodécimos, quando é um direito do trabalhador receber por inteiro se assim quiser”.

Frequentemente perguntam-lhe porque não procura um trabalho extraordinário, de fim-de-semana, se tem experiência com eventos. Jefferson não se importaria “se o dinheiro extra não fosse todo para pagar a ama ao fim-de-semana, o que em nada compensaria o tempo perdido” longe das filhas.

Soluções? “Mais apoio do Estado”

Para Jefferson está claro que “faltam apoios para os trabalhadores que representam famílias monoparentais”. Na escola as filhas têm o Escalão C, o que o leva a ter de pagar alimentação e atividades, “porque os Serviços de Ação Social das escolas têm em conta o salário bruto”. Para este pai “o Estado deveria rever os escalões e taxas a pagar pelas famílias monoparentais”. A seguir, “colocar as vagas em creche pública como uma prioridade, para poupar os baixos orçamentos das famílias e impedir enormes deslocações dos pais, para deixarem os filhos num extremo de Lisboa e irem trabalhar para outro, sob pressão de horários alargados até depois das 19h00”.

No que diz respeito à habitação considera “tudo irreal”, afinal “é quase impossível uma família monoparental arrendar casa”. O Governo aprovou novas medidas para regular o mercado do arrendamento, “mas quando entrarão em vigor e quais serão os valores das casas devolutas ou vazias que todos cobiçam?”. O seu maior medo é o de o senhorio pedir a casa, se isso acontecer admite: “não sei para onde ir”.

Em 2022 os serviços sociais da AMI apoiaram cerca de 9.991 pessoas, das quais 2.081 procuraram o apoio da AMI pela primeira vez devido ao aumento dos custos de vida (o equivalente a 21% do total da população beneficiária). O número de novos casos tinha, desde 2013, uma tendência decrescente, o que torna o cenário muito semelhante à crise de 2007.

Das pessoas apoiadas pelos equipamentos sociais da AMI, 56% do total está em idade ativa, entre os 16 e 66 anos, 17% tem rendimentos provenientes de salário fixo e variável, que se revela insuficiente, motivos pelos quais têm de recorrer a apoios sociais. Dados crescentes não apenas em população com escolaridade média, já que o número de pessoas com habilitações ao nível do ensino superior a receber apoios da AMI aumentou 37% face a 2021. São beneficiárias da AMI 260 pessoas com licenciatura, quatorze com mestrado e três com doutoramento.

Relativamente ao Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas e distribuição de géneros alimentares, 5.622 beneficiários da AMI foram apoiados com estes serviços.


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