Bihari, povo de gerações apátridas

O Paquistão recusa-se a receber os Bihari no país que um dia consideraram seu, o que os leva a sentirem-se pessoas sem terra, nem raízes. A viverem no Bangladesh há mais de 50 anos, apenas agora tentam conseguir a nacionalidade e estão dispostos a assumir a língua bengali para superar barreiras culturais.

Tareque Jabed, fundador da ONG Bangladesh Integrated Social Advancement Programme (BISAP), trabalha desde 1978 com o empoderamento da comunidade Bihari, desenvolvendo projetos educativos, de formação profissional e de assistência à saúde materno-infantil. Desde a pandemia, sente que “a vida dos Bihari no Bangladesh está finalmente a mudar, de forma profunda, com a abertura à aprendizagem do bengali e o incentivo para que as crianças sejam integradas nas escolas”.

Depois de mais de cinquenta anos refugiados no Bangladesh, “os Bihari não têm opção, não há como voltar atrás, ao antigo Paquistão, e não podem continuar a manter a distância no Bangladesh”. Em causa está o futuro das novas gerações, em suspenso, quando tanto o governo paquistanês como o governo indiano não aceitam a comunidade Bihari de volta, continuando a considerá-la traidora da pátria, mesmo as crianças que nunca conheceram nada além dos muros dos bairros de lata de Chitaggong, a segunda maior cidade do Bangladesh, onde vivem cerca de 9 milhões de pessoas, a maior parte Bihari.

“Para aqueles da comunidade Bihari que já nasceram no Bangladesh, é aqui que a vida está a acontecer e, nos últimos anos, assistimos a uma grande mudança na vontade de integração, o que nos deixa felizes”, assume Tareque Jabed.

Nos últimos cinco anos, a BISAP encaminhou 5.000 crianças da comunidade para escolas bengali. Através do projeto “Providenciar acesso inclusivo e fortalecimento económico aos refugiados e deslocados dos bairros de lata de Chitaggong”, com o apoio da AMI, a BISAP espera até fevereiro de 2025 mudar também a vida de mais 3.200 pessoas.

“Os Bihari não têm opção, não há como voltar atrás, ao antigo Paquistão, e não podem continuar a manter a distância no Bangladesh”

Tareque Jabed, BISAP

Para já, o projeto de empoderamento económico através da preparação para o mercado de trabalho com formações na área da costura e das competências digitais e literacia em saúde “já chegou a 2.000 famílias bihari”, garante Tareque Jabed.

A intervenção da BISAP com o apoio da AMI é feita nos bairros de lata urbanos, nomeadamente em quatro campos de refugiados Bihari e nas comunidades de acolhimento locais à volta dos campos.
Unidas com o propósito de mudar o destino de uma comunidade onde a extrema pobreza não permite um planeamento de vida além da sobrevivência diária, a BISAP e a AMI querem aumentar a resiliência dos Bihari, para que consigam enfrentar situações de crise extrema, como a que a Covid-19 provocou.

Empoderamento através de formações na área da costura e das competências digitais já chegou a 2.000 famílias bihari. Fotografia: Timothy Lima

Depois da pandemia, a literacia em saúde é tão urgente quanto o empoderamento económico e profissional. A situação das mulheres e crianças é particularmente preocupante: além da malnutrição, outras causas da mortalidade infantil são o tétano, as infeções respiratórias, doenças diarreicas e sarampo.

AMI e BISAP defendem que a prevenção e cura desta elevada morbi-mortalidade deve ser realizada através da vacinação, melhor higiene e alimentação adequada, bem como cuidados de saúde direcionados. Por isso, o projeto bilateral. que une uma vez mais Portugal e Bangladesh, inclui ainda a deslocação de um médico em clínica móvel e a distribuição de ajuda alimentar.

Pela cultura paquistaneses, pela sobrevivência bengali

Muçulmanos indianos, os Bihari emigraram para a área Oriental do Paquistão durante a Guerra indo-paquistanesa, em 1971, e logo nessa época começaram a ser discriminados. A língua tornou-se uma grande barreira à integração social.

Pela língua urdu ainda estavam ligados ao Paquistão Ocidental, mas estavam no Paquistão Oriental de língua bengali.

Com o fim da guerra, essa região passou a integrar o Bangladesh e os Bihari passaram a ser ainda mais discriminados e atacados, considerados como traidores da pátria. Alvo de violência política, perderam os seus bens, o trabalho e tornaram-se sem-abrigo e apátridas.

Além da discriminação por serem considerados como traidores da pátria, a língua foi uma das grandes barreiras à integração da comunidade Bihari. Mais de cinquenta anos depois, continuam a viver em campos de refugiados sem condições de habitação, higiene e saúde pública.


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