“O salário mínimo é pouco para um jornalista que trabalha 10 a 12 horas por dia”

Diogo Cardoso, Luciana Maruta e Sofia da Palma Rodrigues são divergente(s) do jornalismo português, com uma revista digital fundada em 2014 para fazer jornalismo aprofundado, debatido, numa alternativa que complementa o que já existe no País.

O trio vencedor da 24.ª edição do Prémio AMI – Jornalismo Contra a Indiferença representa a alternativa de trabalho, numa classe profissional afetada pela precariedade e baixos salários, em Portugal. As produções feitas sob a chancela do projeto Divergente podem levar anos até estarem concluídas, mas mergulham na vivência diária com os entrevistados, pesquisa, análise de dados, fundamentação histórica. Percurso feito ao longo de cinco anos com a reportagem “Por ti, Portugal, eu juro!”, vencedora do Prémio Jornalismo Contra a Indiferença, que retrata o que aconteceu aos comandos guineenses das Forças Armadas Portuguesas depois do fim da Guerra Colonial.

Diogo Cardoso e Sofia da Palma Rodrigues fundaram a revista “Divergente” em 2014, dedicada ao jornalismo de investigação, livre de compromissos publicitários. Foto: José Ferreira/AMI

Quando começou a investigação para a “Por ti, Portugal, eu juro”?

A ideia surgiu em 2015. Foram necessárias centenas de horas de investigação, escrita, vídeos e fotografia, viagens e estruturar a informação recolhida entre 2016 e 2021 para fazer quatro capítulos de reportagem e um site.

A investigação foi intensa para perceber o que aconteceu com aos comandos da Guiné que combateram por Portugal na Guerra Colonial/de Libertação.

A recompensa tem sido enorme. “Por ti, Portugal, eu juro!” foi premiada sete vezes, entre concursos nacionais e estrangeiros. E a diversidade de conteúdos recolhidos em diferentes suportes, desde as anotações ao vídeo e fotografia, permite recontar a história de diferentes formas, para diferentes órgãos de comunicação. O Expresso publicou a reportagem na sua edição em papel, a RTP comprou dois episódios para uma versão documental, o que vai obrigar a voltar aos arquivos de vídeo e montar novas sequências com ângulos diferentes ao apresentados na reportagem multimédia.

Algo impensável no ritmo diário de uma redação.

A reportagem “Por ti, Portugal, eu juro!” não seria recusada numa redação, mas o tempo seria um grande problema para um editor. O editor também diria para que fossem o jornalistas a encontrar ou angariar os recursos necessários.

Que desafios o jornalismo enfrenta atualmente?

É fácil dizer que “o jornalismo é o pilar da democracia” e depois nada ser feito.

O Estado deve apoiar o jornalismo de qualidade, de factos e fontes credíveis. Mas, também têm de haver instituições que atuem no financiamento e de forma séria na defesa do que é jornalismo, na definição do que é e não é um órgão de comunicação social. Sobretudo é necessário pagar mais do que o salário mínimo aos jornalistas. São ideias que não estão a ser aplicadas.

Até que ponto a publicidade compromete o jornalismo?

A publicidade é uma porta de entrada para a precarização dos jornalistas, por isso a Divergente não aceita publicidade paga e os prémios e bolsas representam parte do financiamento do projeto.

Não deixa de ser curioso que os trabalhos reconhecidos com prémios sejam aqueles que nunca seriam aceites numa redação, pelo tempo de investigação, tamanho e interesse empresarial.

Com esse cenário, que profissionais é possível ter no jornalismo?

A contra-pergunta é: ainda há jornalistas a trabalhar apenas e só a tempo inteiro numa redação? Porque a serem pagos com o salário mínimo nacional, precisam de um part-time ou o contrário, trabalhar noutra área e fazer do jornalismo um part-time. Com isto o jornalismo corre o risco de passar a ser uma profissão de elite, a que apenas se pode dedicar quem tem capacidade financeira, porque mantém outras fontes de rendimento.

Todos os jornalistas passaram pela fase em que são estagiários durante anos, até serem considerados profissionais. Depois, passam para o quadro de uma empresa e a diferença de salário para a época em que tinham uma bolsa de estágio do Instituto de Emprego e Formação Profissional é pouca. Então questionam se o jornalismo vale a pena.

A reportagem de investigação “Por ti, Portugal, eu juro!” foi produzida pelo Divergente ao longo de cinco anos. Venceu a 24.ª edição do Prémio AMI – Jornalismo Contra a Indiferença
Foto: DR

A quanto é pago o jornalismo em Portugal?

O Por Ti, Portugal Eu Juro!” nunca foi colocado na ponta da caneta, mas deve ter custado entre 100 mil a 120 mil euros, se contabilizarmos todas as horas de trabalho desde 2015 até 2021.

Na internet circula um ficheiro assinado por jornalistas com os respetivos salários e são notórios os baixos valores que se praticam. Nas redações há muitos jornalistas pagos pouco acima do salário mínimo nacional, alguns até abaixo quando se trata de avenças.

O salário mínimo nacional, ou mesmo que sejam 800,00 a 900,00 euros limpos, é pouco para um jornalista que trabalha 10 a 12 horas por dia, não raras vezes 6 dias por semana, sob uma grande pressão devido ao ritmo das redações e a todos os temas sobre os quais tem de estar atualizado para não cometer erros

“O jornalismo corre o risco de passar a ser uma profissão de elite, a que apenas se pode dedicar quem tem capacidade financeira”
Foto: José Ferreira/AMI

O futuro da profissão é uma questão de salário, regulamentação no acesso ou formação?

As redações precisam de profissionais que venham de diferentes áreas de formação. Deve haver, sim, regulamentação na forma como o jornalismo é feito.

Órgãos como a Entidade Reguladora para a Comunicação Social e o Sindicato dos Jornalistas devem ser mais ativos a fiscalizar o que é e não é jornalismo.

Sem limites no acesso à profissão e obrigatoriedade de tabelas salariais é possível ter qualidade?

É preciso começar por uma revisão curricular, para que as novas gerações tenham uma formação mais rica e completa, com capacidade de abordar diferentes temas e áreas de produção das notícias. É por aí que a mudança deve começar a acontecer.

Porque os jornalistas não se mobilizam para defender os seus direitos?

O problema é a mobilização e essa não aconteceria com grande impacto porque a profissão está em decadência. Tudo passa pelo sentimento que se tem pelo jornalismo. Se os professores não derem aulas, se os aviões não levantarem voo, toda a gente se preocupa, mas o jornalismo é visto como algo não essencial.

Mas, se a paragem acontecesse não afetaria só uma elite intelectual. Se uma manifestação de jornalistas acontecesse, afetaria o quotidiano do país e afetaria a história que se escreveria sobre esses dias.


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