Voluntariado, Felicidade e Bem-estar – AMI Convida Clara Mora, professora

Quando há um pouco mais de um ano aceitei o desafio de dar aulas de português a ucranianos, em regime de voluntariado, estava longe de compreender o alcance que isso poderia ter na minha condição de professora aposentada. Desengane-se quem pensa que a situação de aposentada me deixava muito tempo livre e que a proposta de tal atividade era uma oportunidade de ouro para preencher uma vida pacata. Nada disso! Era apenas mais uma tarefa a acrescentar às mil e uma outras que já fazia com o gosto de quem, com a chegada da aposentação, tinha finalmente tempo para se dedicar àquilo que a vida profissional obrigara a adiar.

Ainda assim, em boa hora aceitei o repto, com a consciência das dificuldades próprias da situação, visto tratar-se de pessoas refugiadas de uma guerra que estava a começar e da qual não podíamos de todo imaginar o futuro. Começámos (o meu marido e eu) com um grupo de uma dezena de homens e mulheres que tinham acabado de chegar a Portugal, sem qualquer conhecimento da língua e da cultura do país de acolhimento. Felizmente, tínhamos o apoio de uma das suas compatriotas, a viver em Portugal há alguns anos, que fazia a ponte traduzindo para ucraniano os rudimentos de uma língua que lhes soava totalmente estranha e na qual tinham dificuldade em reconhecer o mundo, para não falar da dificuldade de dizê-lo. As aulas iam-se fazendo entrecortadas pelas mensagens pouco animadoras sobre o país que tinham deixado para trás e onde, para além das suas casas, tinham ficado familiares e amigos expostos à violência e destruição. Aos poucos, vencemos os obstáculos do vocabulário e da gramática e conquistámos alguns sorrisos, também graças ao empenho e boa disposição de Olena, a tradutora coadjuvante, que não poupava esforços para aliviar a amargura dos seus compatriotas, organizando festas, passeios e campanhas de angariação. A boa disposição era palavra de ordem para todas as pessoas que ali se cruzavam. Encarávamos isso como um dever de hospitalidade.

Ao longo de quase ano e meio de colaboração com a AMI, a procura das aulas de português foi uma constante. O que no início surgiu como resposta para uma comunidade específica foi-se transformando para atender a necessidades de pessoas de outras latitudes e, pouco a pouco, as aulas transformaram-se num espaço de acolhimento onde se fala português com sotaques do Mundo Eslavo, da América Latina, de África ou do Médio Oriente.

Mas não esqueçamos o título deste texto e o convite que o motivou. Como se relacionam o voluntariado, a felicidade e o bem-estar num mundo carente de esperança para tantos milhares de pessoas?

O que é a felicidade? O que entendemos por bem-estar? Perguntas complexas que não se comprazem com respostas simplistas e que, por conseguinte, não poderei aqui desenvolver. Permito-me, contudo, deixar cinco tópicos que julgo interessantes e que tomo de empréstimo a Martin Seligman, fundador da psicologia positiva. São eles: emoções positivas (que nos tornam capazes de ultrapassar as experiências negativas e projetar o futuro de forma construtiva); compromisso (remete para a capacidade de investir energia em projetos que desenvolvam a motivação e a criatividade, tornando-se resiliente perante a adversidade); relações pessoais positivas (a condição gregária do ser humano está na base do seu desabrochar pessoal, abrindo-se ao outro para estabelecer relações de amor e amizade); sentido da vida (desenvolver projetos que fazem sentido); realização pessoal (testar, experimentar e cumprir objetivos dão o sentimento de realização).

Para concluir, creio que não será abusivo dizer que estes são os elementos que me movem na minha ação de partilhar o meu conhecimento da língua portuguesa e que são também os mesmos que reconheço naquilo que move os refugiados e os migrantes a investir energia na aprendizagem de uma nova língua e de uma nova cultura.


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