“Para ser feliz uma pessoa necessita apenas de ser honesta”

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Muitas histórias cabem dentro de uma vida, sobretudo quando os momentos mais difíceis e inesperados são atirados para um canto como sobras inúteis por uma convicção que embrulhada num sorriso se faz frase: “Para ser feliz uma pessoa necessita apenas de ser honesta.”

 

Tiago* nasceu na Ilha de Santiago, em Cabo Verde, há 60 anos. Se fosse amanhã passear pela Sunset Boulevard, em Los Angeles, teria certamente várias centenas de fãs a pedirem um autógrafo e a perguntarem como foi trabalhar com Brad Pitt. O sorriso sereno, olhar meigo e até os pontos negros na face lembram Morgan Freeman. É um homem aparentemente tranquilo. Apesar de ter passado ao lado da carreira de ator, Tiago já representou vários papéis, numa vida preenchida de múltiplas histórias, desafios e “personagens”. As suas mãos já dirigiram cargueiros no Atlântico adentro e viaturas industriais pelos caminhos de Portugal. Actualmente está desempregado. Vive na Buraca com a companheira Susana*, uma guineense ainda mais sorridente e extrovertida, mãe de 11 filhos a viverem a cinco mil quilómetros de distância. “Vimos à AMI não é pela ajuda mas pela amizade”, diz. O rendimento social de inserção de ambos já dá para o aluguer da casa. Nem sempre foi assim.

 

Quando recorreram pela primeira vez ao apoio do Centro Porta Amiga das Olaias, em 2004, a situação era bem mais complicada. Procuravam roupa e ocasionalmente alimentos. Eram um casal mistério que aos poucos se foi abrindo. O desemprego de ambos foi adiando o pagamento da renda. O senhorio perdeu a paciência. Chegou mesmo a retirar as portas e janelas do quarto. Esperando que o frio de Dezembro o ajudasse na expulsão. Conseguiu. “Era uma pessoa muito violenta”, recorda Tiago.

 

Quando pisou o chão de Lisboa em 1968 está longe de imaginar as rasteiras que a vida lhe reservava. Tirou o Curso da Marinha Mercante. Fez-se ao mar. O horizonte lembrava Cabo Verde. Sobravam saudades de Santiago, mas o trabalho, esse não faltava, mão no leme de cargueiros de pesca oceano adentro. Estava em casa sem ter casa, nem terra debaixo dos pés, navegando mar alto durante dias dilatados em semanas, transformados em meses. Seguiu-se curso de manobrador de viaturas industriais pesadas. Trabalhou para algumas das mais importantes empresas de construção civil. “Era capaz de manobrar qualquer máquina. Gruas altíssimas”, recorda. A vida parecia encaminhada, segura e estável. Tinha um apartamento na Estrada da Luz, em Lisboa. Conheceu então a mulher da sua vida, Susana. Já lá vão 20 anos. Amigos e companheiros desde então. “Só nos separamos depois da morte”, diz. “Entendemo-nos bem. Raramente discutimos, apesar de termos olhares diferentes sobre as coisas. É natural”.

 

Quando a vida parece equilibrada, surge uma rasteira. Tiago decide comprar uma casa à confiança e acaba burlado. “Perdi 2450 contos”.   

“ A vida dá muitas voltas. É importante mantermos sempre a nossa dignidade. Esta é feita pela nossa cultura. Até um analfabeto tem cultura, tem a língua que recebeu dos seus antepassados”, afirma.

 

O desemprego empurrou-o para a AMI. Regressemos então a 2004. Vieram ambos à procura de roupa e ocasionalmente alimentos. Em “Bruce, o Todo-poderoso”, Morgan Freeman é Deus disfarçado de empregado de limpezas. Na vida real, Tiago já teve vários empregos. No entanto, na realidade, nunca sabemos quem temos à nossa frente.

 

*Nome fictício


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