Uma porta na Madeira há 25 anos

No Centro Porta Amiga do Funchal criam-se planos de vida para resgatar ou descobrir capacidades. De 1997 até ao presente, a intervenção do centro passou da assistência imediata para a formação e acesso ao trabalho como chave da emancipação.

Jorge Abreu vê no Centro Porta Amiga do Funchal um espaço de proteção diária que o ajuda a enfrentar a ausência da família. Fotografia © José Ferreira/AMI

Todos os dias, Jorge Abreu senta-se no antigo salão do número 57 da Rua das Pretas para almoçar. Há muitos anos que o Centro Porta Amiga do Funchal é a sua casa durante o dia. Com pena, diz que “gostava de ser ator, talvez quando for mais maduro”. Tem 37 anos e a mente presa na infância em que “era para lá de pobre” e vivia nas furnas, grutas onde famílias que não tinham casa procuravam abrigo. 

José Carlos Castro ainda quer acreditar em possibilidades, mas, com 63 anos e “depois de passar por uma falência, um divórcio e um AVC, desiste-se”. 

A capacitação seria a oportunidade de recuperarem a autoestima e cortarem ciclos de dependência. É o salto que Filomena Pereira está a dar, empoderando-se “a partir de consultas de psicologia e do trabalho”. 

O dia em que Jorge Abreu perdeu a irmã para os ratos, frio e fome aprisionou-lhe a mente num mundo de menino, para fugir ao choque. 

Levado para longe da família, viveu de instituição em instituição, até chegar às ruas com dezoito anos. Ainda pensou voltar para as furnas, mas quando lá chegou “as recordações não deixaram”. 

Casos como o de Jorge Abreu marcam o quotidiano de Cristina Meneses, diretora do Centro Porta Amiga da AMI no Funchal. “Tentam-se planos de vida adaptados, para resgatar ou descobrir capacidades, mas, às vezes, não é possível ultrapassar as marcas das histórias de vida”, deixadas no físico e na mente. 

Aberto há 25 anos, a pedido de Miguel Albuquerque, então presidente da Câmara Municipal do Funchal, o Centro começou por “responder no imediato à população em situação de sem-abrigo do Funchal e ajudar a combater a toxicodependência”, recorda Cristina Meneses. 

Cristina Meneses, diretora do Centro Porta Amiga do Funchal. Fotografia © José Ferreira/AMI

Hoje, a intervenção do centro chega a todo o arquipélago. Mantém como missão o apoio a casos como o de Jorge que, por tempo indeterminado, precisam de apoio para habitação, alimentação e cuidados de saúde. E assumiu também a missão de capacitar psicológica e profissionalmente quem procura emancipação e a pode concretizar. 

“Em todos os casos, a família, amigos, vizinhos são a chave. É vivendo em comunidade que as pessoas se sentem integradas, reconhecidas e protegidas”, afirma Cristina Meneses, acreditando que “o ativismo social deve ser enraizado em toda a população”. 

No coração do Funchal, o Centro Porta Amiga mantém serviços de refeitório, lavandaria, apoio social e apoio ao emprego. Com a Universidade da Madeira e a Direção Regional de Saúde disponibiliza consultas de psicologia descentralizadas. 

“Desemprego, ou acesso apenas a trabalho precário, contextos de violência doméstica e doenças crónicas, caracterizam a maioria dos beneficiários que hoje procuram o Centro Porta Amiga do Funchal”, com idades compreendidas entre os30 e os 70 anos, descreve Cristina Meneses. Mas, jovens na faixa etária dos 18 aos 25 anos também procuram no Centro uma estratégia para ultrapassar momentos únicos, seja na “orientação para entrar no mercado de trabalho, ou na ajuda imediata, porque estão sem habitação devido a rusgas com a família ou especulação imobiliária”. 

Para Cristina Meneses, “a maioria destes casos resolver-se-ia se a rede social interviesse precocemente e de forma assertiva nas questões da educação, com vista a resolver, consequentemente, as questões do acesso ao trabalho e rendimentos dignos e a emancipação”. Numa região autónoma com 250.744 habitantes, 133.600 representam a população ativa e a taxa de emprego ronda os 46%, o que significa que, mais de metade das pessoas ativas não tem acesso a oportunidades profissionais. 

Formação, a estratégia contra o abandono escolar

Helena Andrade, Delegada da AMI no Funchal. Fotografia © José Ferreira/AMI

O início da atividade da Delegação da AMI na Madeira, em 1996, foi o mote para a abertura do Centro Porta Amiga do Funchal um ano depois. É através desta delegação que a AMI leva formação sobre direitos humanos e cidadania às escolas de toda a região autónoma e ao Estabelecimento Prisional do Funchal, o mesmo lugar onde “Cursos Básicos de Primeiros Socorros são, não raras vezes, o primeiro contacto das pessoas com um diploma que certifica as suas capacidades”, conta Helena Andrade, Delegada da AMI na Madeira. 

“A Madeira tem uma elevada taxa de abandono escolar”, fortes desigualdades no acesso a direitos sociais e limitações no mercado de trabalho. 

Para Helena, esta tríade “aprofunda a pobreza e dificulta o sucesso da reinserção social, com histórias de vida que se repetem entre gerações, muitas vezes, de pais para filhos”. Mas, admite que “muito tem mudado”. 

Segundo a Direção Regional de Estatística da Madeira, só de 2013 para 2022, a taxa de abandono escolar baixou de 28% para 9,4%. De 2011 para 2021, as habilitações ao nível do ensino secundário passaram de 28,2% para 41,4%. E a taxa de analfabetismo, embora ainda seja a mais alta do país, desceu de 7,0% para 4,5%. 


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