“Fomos educados para reconhecer a dor e não reconhecer a felicidade”

De visita ao espaço +Comunidade da AMI (colocar ligação para https://ami.org.pt/blog/projeto-mais-comunidade-resposta-diferente-os-problemas-sempre/), nas Olaias, a apresentadora Fátima Lopes deixa-se encantar lugar onde a comunidade sénior do bairro Portugal Novo concretiza sonhos. Ali todos podem ser artistas, criar, reinventar-se e partilhar, “segredos para conseguirem plantar felicidade e bem-estar nas suas vidas”.

Texto: Ana Martins Ventura | Fotografia: José Ferreira

Na sua plataforma digital Simply Flow, Fátima Lopes escreve muitas vezes sobre o conceito de “felicidade” e não gosta de ler e ouvir que existe “uma felicidade absoluta, para sempre”. Ser feliz passa por um vasto conjunto de fatores”, entre eles “a alimentação completa e saudável, ter uma casa, um sono de qualidade, até fazer exercício físico”, defende.

No mundo digital do momento anuncia-se felicidade absoluta através do treino mental certo. É possível?

Não há felicidade eterna. Há momentos de felicidade, de bem-estar. O que temos que fazer é lutar para que os momentos de felicidade e bem-estar sejam cada vez mais e para que tenhamos a capacidade e as ferramentas para desfrutar desses momentos, quando eles acontecem. Porque, às vezes, estamos a viver momentos de felicidade e bem-estar e não sabemos identificá-los.

Não gosto de ler e ouvir as pessoas que trabalham na área de coach criarem a ideia de que existe uma felicidade plena, total e absoluta para sempre. Existe, sim, nos filmes da Disney: “foram felizes para sempre”. A vida real é muito diferente.

Formalizamos, complicamos a felicidade?

Complicamos tudo e criamos uma ideia pouco real do que é a felicidade. Atiramo-nos para a estratosfera e, portanto, não temos uma noção real do que é a felicidade, que acabamos por colocar num patamar inalcançável. Por isso, quando estamos a viver momentos de felicidade, muitas vezes não temos consciência deles e não os desfrutamos.

Se começarmos a descascar todos os momentos da nossa vida e a pensar “tive aquele momento com os meus colegas, gostei de lá estar, foi maravilhoso”, então encontramos tudo o que deve ser a felicidade e nem sabíamos que estávamos a sentir.

Fomos educados para reconhecer a dor e não a felicidade. Precisamos ensinar o contrário.

Quando nos programas que faço as pessoas dizem “não tenho nada de bom na minha vida” ou “a minha vida foi sempre péssima”, pergunto: “tem filhos?”. Então os seus olhos abrem-se. Iluminam-se de emoção. Depois pergunto: “os seus filhos como são?”. E respondem: “são excelentes filhos”. Nesse momento desafio-as: “então não tem nada de bom na vida?”. É melhor corrigir a frase de “não tenho nada de bom na vida”, para “algumas coisas na minha vida não correram como gostaria”.

“A nossa saúde mental é um mundo, muito mais do que consultas de psicologia e fármacos receitados pela psiquiatria”

Fátima Lopes

Como podemos desconstruir estes pensamentos?

Aprende-se. Não fui sempre assim. Tinha 27 anos quando fiz a primeira formação sobre “Desenvolvimento Pessoal”.

Era um objetivo meu, mas, o “chip” que eu recebi provavelmente é igual ao “chip” que grande parte das pessoas recebeu. O “chip” do “complicómetro”.

Se eu tiver consciência que esse “chip” só traz tristeza e infelicidade, então vou perguntar: “existe o contrário? Existe. Pode-se aprender? Sim. Então quero aprender”.

Precisamos de ter a capacidade de olhar para a nossa vida e entender que há situações graves que merecem toda a nossa energia, tempo e preocupação e outras que, não têm nada de especial, nós é que fazemos delas algo muito grande.

Claro que muitas pessoas não têm possibilidades de aceder a formações de desenvolvimento pessoal, nem mesmo a apoio ao nível da saúde mental que as possa ajudar a fortalecer-se. Infelizmente, existe pouco disso com valores acessíveis e, quando há, até mesmo gratuito, tem recursos humanos muito limitados para levar a terapia a uma população alargada.

Se o apoio psicológico ainda não é algo acessível para toda a população, como alcançamos uma boa saúde mental nesta busca pela felicidade?

A nossa saúde mental é um mundo, muito mais do que consultas de psicologia e fármacos receitados pela psiquiatria. São muitas coisas interligadas que, muitas vezes, ainda não vemos dessa forma. Precisamos cuidar bem de nós. Se não fizermos uma alimentação saudável, há implicações na saúde mental. Se não praticarmos exercício físico há efeitos negativos na saúde mental. Se não tivermos sono de qualidade, se vivermos rodeados de relações tóxicas, se não soubermos gerir o tempo profissional e familiar. Tudo isso tem implicações no nosso equilíbrio e saúde mental.

A saúde mental não é apenas uma coisa. É preciso que o Serviço Nacional de Saúde e a Segurança Social estejam preparados para responder a um conjunto de fatores.

Se não cuidarmos dessas vertentes, se não tivermos possibilidades financeiras, sociais, para cuidar delas, mais cedo ou mais tarde, vamos ter um alerta.

Depois, tomar um comprimido e sentarmo-nos de braços cruzados à espera de um milagre não é solução. No dia em que fizermos o desmame da medicação a realidade vai estar lá toda. Porquê? Porque não mudámos comportamentos. Mas, por questões financeiras, infelizmente, muitas pessoas, com baixos salários, não têm como contornar o recurso único à farmacologia, sem acesso rápido e gratuito a psicoterapia. É aí que deve começar a intervenção social profunda.

Fátima Lopes afirma que “os portugueses têm medo da felicidade” e a estratégia pública de acesso a cuidados de saúde mental não é favorável a uma mudança de mentalidade

E quando a felicidade não é só uma questão de saúde, mas, cultural? Os portugueses estão predispostos a ser felizes?

Segundo estudos, somos dos países mais infelizes. Efetivamente somos um povo que enfrenta muitas dificuldades, económicas, sociais. Mas, pergunto: quantos povos no mundo não vivem muito abaixo daquilo que temos e conseguem ter uma postura muito mais positiva? A questão é que o “drive” [na nossa cabeça] é sempre o “copo meio vazio”.

Tivemos anos de crise profunda com a intervenção da Troika. Foi terrível, imensas famílias a dependerem de apoio alimentar. Mas, depois, isso passou, entrámos numa fase melhor da economia, as pessoas recuperaram o trabalho, as carreiras, o poder de compra, começaram a conseguir pagar as suas contas, desde o básico ao que pode ser considerado extra. No entanto, se fôssemos perguntar como se sentiam, o discurso dos portugueses seria o mesmo. Portanto, isto é que tem de mudar: a perspetiva.

Está um dia de sol incrível, a vida em casa está organizada. Perguntamos: “como é que está?”. A resposta é: “vai-se andando”.

Vai-se andando para onde? Isso não é nada. Se estamos bem, devemos dizer que estamos bem. Ninguém nos vai jogar pioneses no chão para cairmos, só porque dissemos que estamos bem.

Temos preconceito de admitir que estamos felizes?

Não é preconceito, é medo.

Porquê medo?

Nós, portugueses, ainda temos medo da felicidade porque vivemos muito agarrados à vida dos outros e pouco agarrados à nossa.

Achamos que se dissermos que somos felizes alguém vai fazer alguma coisa para estragar tudo. Por isso, à cautela, dizemos sempre que não somos muito felizes, mas, cá dentro, se calhar, até estamos a rejubilar de felicidade.

No espaço +Comunidade da AMI, a apresentadora Fátima Lopes destaca o projeto “A minha vida tem histórias”, desenvolvido por Elsa Serra e Sofia Freire D’Andrade

Houve algum momento na sua carreia em que pensou “estou na minha felicidade mais plena”?

Muitos. Neste momento, com as reportagens do programa Caixa Mágica, tenho presentes de Deus todas as semanas. Vivo a alegria de estar com pessoas diferentes em diferentes lugares, de ver as pessoas darem-se à reportagem em frente a câmaras de televisão, onde nem sempre se sentem confortáveis e veem em mim uma pessoa de confiança para partilharem a sua vida. Isso, para mim, é felicidade.

Sempre sonhou fazer o que faz hoje?

Nunca pensei trabalhar com televisão. Dentro do meu curso gostava muito da área de marketing e publicidade. Foi o Emídio Rangel que me descobriu e fui parar à televisão por acaso. Se é que há acasos, o que eu não acredito. Acho que o Universo é muito sábio e sabia que esta miúda adorava televisão, mas, não dava esse passo porque achava que não tinha cara para isso. Hoje vejo-me como uma apresentadora sénior. Em 2024 faço 30 anos de carreira e tenho muito orgulho em dizer que sou apresentadora sénior.
Gosto de conhecer pessoas novas e gosto de as ajudar a brilhar nos programas que faço. Essa é a minha missão. É fazer com que qualquer pessoa que passe pelos meus programas, seja nas reportagens, seja no estúdio, possa brilhar. Pode não ter muito jeito para falar, pode ter vergonha, mas, naquele momento, o meu trabalho é ajudá-la a brilhar.


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