Entrevista ao Prof. Dr. Filipe Duarte Santos

Afirma que as medidas de combate, por exemplo, à seca têm de ter por base a “solidariedade”, isto é, as pessoas da cidade pensarem nas do campo; as do litoral porem-se no lugar das do interior… Considera a solidariedade suficiente ou terá também de haver um pouco de “law enforcement”?

Penso que é uma combinação das duas coisas. É muito importante que a administração central e local estejam conscientes e procurem resolver esses problemas. A nossa sociedade é baseada num conjunto de normas regulamentares e legislativas que fomentam a solidariedade. Isso pode ser mais efetivo ou menos efetivo; há países que dão mais importância a essa solidariedade, outros dão menos… Estou a pensar, por exemplo, em alguns países da União Europeia ou nos Estados Unidos da América, que têm pontos de vista diferentes em relação a esses assuntos. Na União Europeia, na Europa, há uma maior institucionalização da solidariedade social, da coesão social e da inclusão social. Mas para além disso é importante que as pessoas estejam conscientes que também somos afetados de formas diferentes por situações e desastres naturais, por eventos extremos nas cidades e nas regiões rurais. Por exemplo, na cidade não se sente a seca… é ponto de honra das cadeias que abastecem os nossos hipermercados terem os produtos com um aspeto excelente, uma apresentação atraente, independentemente de estarmos numa situação de seca prolongada. Para os agricultores que efetivamente têm de dar de beber e comer ao gado e para os que dependem da chuva para fazer as suas sementeiras e desenvolver a sua atividade agrícola, a situação é mais delicada.

Repare, realmente, o ambiente está a tornar-se um tema mais falado, com maior visibilidade. E a perceção que muitas vezes se tem das questões ambientais é que o ambiente é ótimo, todos gostamos de ir passear a um parque natural, a uma área protegida, desfrutar da natureza, das florestas, da montanha, do litoral etc., todos gostamos disso. Mas depois, na prática, quando se trata do desenvolvimento social e económico (e sobretudo o económico), há muitas vezes a perceção de que as questões ambientais são um empecilho, que dificultam. Mas começa a ser bastante evidente que é o contrário, isto é, se nós não dermos suficiente atenção às questões ambientais, prejudicamos o desenvolvimento socioeconómico. E o exemplo das alterações climáticas é talvez dos mais gritantes: repare que o volume total da água armazenada em todas as barragens de Espanha está a 40% da sua capacidade máxima, ou seja, estamos em fevereiro e está nesses níveis, nalgumas a 9 ou 10 %, sabendo-se que abaixo de 40% se entra numa situação de alerta e que é preocupante; em Portugal, também temos situações complicadas, como a da barragem de Odelouca, no Algarve, em que o nível está em 24% e essa barragem é muito importante para o abastecimento de água ao Algarve (se pensarmos, além disso, nos rios que têm os caudais muito baixos e todos os ecossistemas ribeirinhos que estão a ser afetados). Felizmente no final de fevereiro e princípio de março começou a chover com alguma abundancia. A seca tem também implicações na economia do país, ao nível do abastecimento de água às populações, para a agricultura e indústria, ou seja, tem um impacto económico grande. Portanto não podemos deixar de ter presente que o ambiente é um aliado com o qual devemos ter uma relação tão harmoniosa quanto possível. É necessário compatibilizar o nosso desenvolvimento socioeconómico com o ambiente, garantindo a sua sustentabilidade.

Considera que houve uma evolução em Portugal em termos de políticas ambientais e consciencialização dos cidadãos? Qual o caminho percorrido? Existe um plano nacional a curto e médio prazo?

Portugal, sendo membro da União Europeia, tem beneficiado muito no que respeita às suas políticas ambientais. A UE é uma união de países que eu diria estar na vanguarda mundial das preocupações ambientais, embora nem todos os países tenham as mesmas posições no que respeita ao ambiente. Mas Portugal tem realmente beneficiado muito, transcrevendo as diretrizes europeias para a legislação nacional. Mas aquilo que se passou no ano passado em Portugal, em termos de incêndios florestais, foi realmente muito grave e aquilo que se nota é que, em parte (enfim, há um conjunto de razões para aquilo que se passou – das quais em primeiro lugar está o despovoamento, o baixo valor económico que tem uma floresta muito emparcelada, muito fragmentada, uma floresta cuja propriedade é em mais de 90% particular e isto são razões importantes) há a questão dos interesses associados ao combate aos incêndios florestais. E é preciso que as pessoas tenham consciência que o combate aos incêndios florestais na escala em que se faz em Portugal e em Espanha é uma atividade com um valor económico grande. É necessário que se tenha consciência disso. E que se nós tivermos, por hipótese, 3 ou 4 anos sem incêndios florestais, as pessoas que vivem desse combate, não têm essa atividade. Isto é perverso. Mas temos que encarar isto. É uma coisa que se sabe. Há artigos científicos sobre isso. Em Itália, por exemplo, foi feito um estudo que revelou que os incêndios eram particularmente intensos nas regiões mais deprimidas do ponto de vista social e económico. Há que ter cuidado quando se afirmam estas coisas. Mas isto foi um estudo feito e publicado e, realmente, quando há um combate a um incêndio, isso traz alguma atividade económica. Tenho notícia de que em Espanha estão efetivamente a fazer uma investigação devido ao facto de o ano passado ter havido um grande número de ignições (repare que é necessário saber como e quando é que o fogo começa… se os fogos começarem sobretudo à noite, é uma coisa; se os fogos começarem na altura do dia em que as temperaturas são mais elevadas, é uma coisa diferente), especialmente em relação aos meios aéreos que têm sido utilizados, porque estes meios rendem muito dinheiro. A natureza humana é como é, nós não podemos alterá-la, somos todos responsáveis, mas há situações que são complexas. Este aspeto é muito importante. Por outro lado, e agora voltando às políticas ambientais, aquilo que se nota em Portugal é que houve avanços ao longo dos últimos anos no que diz respeito às questões ambientais: nós temos uma área de zonas protegidas de mais de 20% do território nacional, portanto é uma área muito grande; temos legislação adequada, mas depois os meios são muito escassos e temos vivido com mais ou menos austeridade, com mais ou menos contenção na despesa e aquilo que se passou o ano passado, de setembro para outubro foi uma situação que se podia ter evitado. Porque a 30 de setembro deixou de haver parte dos meios aéreos e dos meios humanos que existiam para combate a incêndios florestais. Foram descontinuados, provavelmente com a intenção de ter uma despesa menor, mas simplesmente acabámos por ter uma despesa maior… teve o efeito contrário. Portanto, não podemos ser cegos nestes cortes orçamentais e temos que ter uma visão do todo, global, e não apenas na ótica da poupança. E se olharmos para o todo, reparamos que temos uma floresta altamente combustível, uma floresta que está em grande parte descuidada e não está a ser gerida como devia ser; temos um despovoamento extremamente preocupante do interior para o litoral do país e temos alterações climáticas que estão a diminuir a precipitação média anual no país e que estão a aumentar a temperatura média anual. Todos estes fatores potenciam, no seu conjunto, os fogos florestais fora do período que era considerado de fogos florestais, que era o verão. Os grandes fogos do ano passado foram na primavera e no outono. Por isso, a “big picture” aqui é que temos vários fatores a concorrer para o risco e temos de os avaliar e saber gerir e não olhar só para a parte da despesa, pois o efeito pode ser contrário. E estou a falar em termos de despesa, mas muito mais grave é que 112 pessoas foram vítimas mortais dos incêndios, o que é uma percentagem muito significativa do número total de vítimas de incêndios florestais à escala mundial no ano de 2017.

Considera a Educação Ambiental existente nas escolas portuguesas suficiente?

Penso que se tem feito um esforço significativo em muitas escolas. Estive recentemente numa em Viseu que ganhou várias bandeiras verdes. Há concursos para incentivar projetos, etc. Mas há um aspeto que considero muito importante: nós só conseguimos ter uma relação mais próxima e harmoniosa com o ambiente e com a natureza se conhecermos esse ambiente e essa natureza. Hoje em dia, mais de metade da população mundial vive em cidades. Em Portugal não tenho presente a percentagem, mas a maioria das nossas crianças têm um contacto muito limitado com a natureza. Os mais pequenos entusiasmam-se imenso quando veem um burro ou uma vaca ou uma ovelha… em parte porque vivem separados da natureza. Muita gente não sabe identificar um carvalho, uma azinheira, um sobreiro, o que é um loureiro, etc., mesmo as flores e os animais… se não tivermos um contacto com a natureza, se o conhecimento for apenas livresco e não for vivido, não se reconhece o seu valor. Mesmo a nossa zona costeira, que é riquíssima – é pouco conhecida e explorada, exceto a praia onde costumamos passar as férias. Por isso, se não houver um esforço, que o Ministério da Educação apoie, para que haja tempo disponível (os professores queixam-se muito da falta de tempo e de verbas para essas atividades) para levar os alunos a um parque natural ou a uma área protegida e a inteirarem-se do que se está a fazer (e há um esforço muito grande do ICNF no sentido de valorizar as áreas protegidas), se isso não acontecer, tenho sérias dúvidas que se consiga progredir na educação ambiental. Tem que se ir além dos livros e dos computadores. Tem de haver um contacto presencial com a natureza e com o ambiente.

Considera a classe política (em geral) realmente sensibilizada para as questões ambientais? Ou é apenas um tema politicamente correto? Considera que existe uma visão global e de longo prazo?

É uma pergunta um pouco difícil, mas vou procurar responder. Nós vivemos numa época cheia de desafios (apesar de todas as épocas terem os seus). Mas hoje em dia, para além das questões de segurança, dos conflitos, da paz e das guerras, temos também questões de natureza ambiental. E eu, aqui, o que diria é que houve um progresso extraordinário (e agora estou a falar a nível global) em termos de maior esperança de vida, a mortalidade infantil bastante debelada, a fome também está a diminuir, tal como a pobreza extrema e as questões da saúde, os cuidados de saúde estendem-se agora a uma percentagem muito maior da população mundial. Tudo isto é positivo e significa progresso, tal como a maior mobilidade, comunicação, conhecimento, formação, etc. Mas se formos ver um bocadinho mais fundo, encontramos problemas extremamente graves, por exemplo de poluição (há muitas pessoas cuja morte é atribuída à poluição atmosférica, na China e na Índia), e que têm sido muito difíceis de debelar. Há um estudo muito recente e que é extraordinário: na área de Los Angeles, na Califórnia, hoje em dia, para além da poluição atmosférica que resulta dos automóveis, das centrais térmicas e da indústria, para além desse tipo de poluição, há outra que tem a ver com aquilo que se faz em casa: as, pinturas, perfumes, produtos de limpeza e uma enorme variedade de sprays que formam compostos orgânicos voláteis, que são fonte de poluição. Tudo isso tem impacto na atmosfera.

Quanto à água, há problemas muito graves no mundo em várias regiões, no Médio Oriente, na África, na Península Ibérica, na Califórnia, em certas zonas do noroeste da China e em algumas regiões da Índia. Estes problemas não estão a ter a mesma tendência otimista e de evolução positiva das outras questões, como o aumento da esperança de vida, etc. Há ainda a questão dos recursos naturais. A exploração intensiva de certos elementos químicos, como por exemplo as chamadas terras raras que são muito importantes para certo tipo de indústrias, como as energias renováveis e a tecnologia da informação e computação, são difíceis de separar dos minerais em que se encontram e estão a tornar-se mais caros, de certo modo escassos. Essas explorações mineiras, por vezes, fazem-se em florestas como a Amazónia, em países como o Equador – a exploração do ouro a céu aberto, por exemplo. Estas atividades mineiras prejudicam cada vez mais pessoas, para além do ambiente.

E depois temos as alterações climáticas, em que os sinais que vemos da parte dos governos para resolver o problema não são dos mais encorajadores. De maneira que, apesar deste cenário complexo, o conjunto das democracias tem no seu discurso político dominante a mensagem de que os políticos vão garantir o desenvolvimento social e o crescimento económico. Qual é o governo que não diz isto? E se sairmos das democracias e formos, por exemplo, para a China, aquilo que dá estabilidade ao sistema político da China é as pessoas sentirem que estão a viver melhor, isto é, que há crescimento económico (embora muitas delas tenham problemas de saúde com a poluição). O que eu quero dizer com isto é que, nós, quando falamos destes assuntos, temos de ter a humildade e a consciência de que o problema não são os políticos. O problema somos nós. Porque se houvesse um político que dissesse “Nós já vivemos relativamente bem, aqui nos países mais desenvolvidos, por isso vamos abrandar o crescimento económico em prol do ambiente e da sustentabilidade dos recursos naturais à escala global…” esse político, praticamente, não tinha votos. De maneira que temos de ter a consciência de que o problema está no modelo que temos e sobre o qual estamos convencidos que se pode prolongar indefinidamente. E é isso que, provavelmente, temos de pôr em causa. A começar por estes telemóveis de hoje, que estão programados para durar um certo período de tempo curto e que têm na sua composição os tais elementos raros, e que acabam por ficar numa gaveta quando compramos um novo. Na qualidade de Presidente do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável é-me dado um telemóvel que muda de 2 em 2 anos porque assim determinam as regras relativas aos contratos entre o Estado Português e as empresas de telecomunicações. E o que é que acontece a todos esses telemóveis que são substituídos? Na Europa já existe uma instalação na Bélgica que consegue recuperar grande parte dos elementos químicos utilizados nos telemóveis. Mas a maior parte acabam nas gavetas e vão-se acumulando. Algum deste lixo eletrónico acaba em África e na Ásia a ser desmontado em condições humanas e ambientais terríveis. Na China, há uma cidade onde se faz isso que tem níveis de poluição muito elevados. É preciso ter consciência que para extrair os metais de que são feitos os telemóveis, se perturba muitíssimo a natureza. Será razoável que os telemóveis e muitos outros produtos tenham uma obsolescência programada? A solução para estes problemas é a chamada economia circular mas estamos ainda muito longe de a conseguir por em prática. É necessário redobrar os esforços nesse sentido.

Considera que a inclusão de um objetivo de desenvolvimento sustentável dedicado às alterações climáticas é um sinal de que a temática é já encarada pela comunidade internacional como uma prioridade e que poderá ter resultados concretos?

Os ODS representam um avanço enorme no esforço que a comunidade internacional está a fazer para atingir um desenvolvimento mais sustentável. Repare que foram 17 objetivos em que houve consenso entre todos os países do mundo. Está lá, praticamente, tudo o que é necessário para deixarmos aos nossos filhos, netos e bisnetos, um mundo pelo menos tão sustentável quanto temos hoje e não com um ambiente degradado e recursos naturais escassos. Mais positivo ainda é haver metas quantificadas nos ODS. Nalguns objetivos estamos a avançar bastante, noutros menos. Mas os ODS são um marco importante e representam um desígnio e um grande avanço para a humanidade. O objetivo da ação climática é para mim, especial, mas todos eles, de uma maneira geral, contribuem para um mundo mais equilibrado. Mas existem obstáculos no caminho dos ODS, sendo um deles a posição dos Estados Unidos perante o Acordo de Paris, que é uma consequência da Ação Climática. Vai ser difícil cumprir o Acordo de Paris, se todos os países não trabalharem no mesmo sentido.

Numa recente entrevista, afirmou também que é necessário procurar novos conceitos de prosperidade que não sejam de natureza económica, mas de simplicidade voluntária. Considera que essa abordagem poderá contribuir, não só para a sustentabilidade do planeta, mas também para mitigar as desigualdades mundiais? Em que medida?

Aquilo que penso, aliás estou a escrever um livro sobre isso, é que criámos uma aceleração do tempo. Temos uma tendência para preencher todos os dias com atividades diversas e isso deixa-nos pouco tempo livre para refletir… até para fazer coisas com as mãos, como jardinagem e muitas outras. E isto é coletivo. E portanto, se uma pessoa não está nessa onda da aceleração, sente-se de certo modo, excluída ou autoexcluída. Estamos sempre na tentativa de preencher o tempo, de otimizar o que fazemos e de ter sempre atividades. Este é um caminho que leva ao consumismo. Queremos ser diferentes uns dos outros nos produtos e serviços que consumimos mas na realidade somos todos imensamente iguais da dependência em consumir sem limite. A sociedade atual transformou-nos acima de tudo em consumidores e é impressionante o esforço que é feito para nos atrair para esse consumo. A simplicidade voluntária é em parte libertarmo-nos dessa vaga do consumismo e procurarmos florescer de outras formas. É optar, voluntariamente, pela simplicidade e por disfrutar as coisas simples da vida. É uma atitude e um comportamento que de início pode parecer difícil. Mas é mais saudável do ponto de vista mental e físico, além de ser uma comportamento mais sustentável em termos do futuro global. Se pensarmos no conjunto do mundo, nós nos países com economias avançadas, como Portugal, vivemos em média muito bem, relativamente aos cerca de 80% da população mundial que estão na base da pirâmide da distribuição da riqueza. E portanto aquilo que era racional, mais sustentável, era nós dizermos “agora é altura de desfrutarmos deste estado de desenvolvimento a que já chegámos, consolidá-lo, termos uma relação mais harmoniosa com a natureza, termos mais tempo livre, termos mais atividades criativas, termos a nossa diferença – a nossa simplicidade voluntária “. Este tipo de comportamento baseado em parte na consciência da complexidade do mundo atual pode também contribuir para resolver um dos problemas mais graves da atualidade que é o aumento das desigualdades de riqueza à escala global. A riqueza está cada vez mais concentrada numa minoria que detém um poder desproporcionado. É um caminho perigoso que está a subverter as democracias. A simplicidade voluntária pode ser uma via para sermos ativos no combate às desigualdades a nível local, nacional e global.

Uma das grandes consequências das alterações climáticas são as migrações dos povos face à inexistência de condições dignas e salubres de vida nos seus países de origem. Poderá esse novo paradigma civilizacional contribuir também para reverter esse cenário?

Há muitas coisas que se fazem no mundo, e muitas delas patrocinadas pelas Nações Unidas, de apoio a países menos desenvolvidos e mais vulneráveis. Mas no que respeita aos refugiados, atualmente em número record desde a Segunda Guerra Mundial, a situação é muito preocupante. Há um défice de solidariedade e de investimento para ajudar essas comunidades e esses países donde vêm os refugiados. Também é preciso saber qual é a melhor maneira de ajudar. Porque muitas vezes quando se dá uma ajuda financeira, pura e simples, aquele dinheiro acaba por ser mal aplicado devido à permanente ameaça da corrupção. Mas nós temos exemplos magníficos, tanto europeus como americanos, de pessoas e organizações que vão para África, para a Ásia ou para a América Latina, a tentar ajudar e estão a viver integrados nas comunidades e a procurar melhorar as condições de vida. A sua ação é magnífica e fundamental. Infelizmente penso que ainda estamos longe de ganhar a batalha.

A postura da atual administração norte-americana e a sua decisão de se retirar do Acordo de Paris é uma ameaça à concretização do mesmo ou apenas um elemento debilitador?

Eu gostaria de dizer sobretudo que o desafio que temos pela frente é gigantesco. Porquê? Porque cerca 80% das fontes primárias globais de energia são combustíveis fósseis. Combustíveis fósseis são, como se sabe, carvão, petróleo e gás natural. Houve uma fase em que se falou de “peak oil”, que seria o momento a partir do qual a produção, e obrigatoriamente o consumo, de petróleo ia começar a descer, dada a sua escassez. Mas a verdade é que há quantidades fabulosas de petróleo, quantidades fabulosas de carvão e quantidades fabulosas de gás natural e que estamos muito longe de atingir o seu esgotamento. Por exemplo, os EUA são, hoje em dia, um dos maiores produtores de petróleo e gás natural do mundo, porque inventaram uma nova tecnologia de exploração de gás natural e do petróleo – que é o “fracking”. Esta tecnologia permite retirar petróleo e gás natural dos xistos, uma formação geológica que, por vezes, tem embebidos ou petróleo ou gás natural. Do ponto de vista ambiental isto é muito mais delicado que os poços convencionais. A quantidade de gás natural e petróleo que se encontra depositada em todo o mundo é enorme. Aliás o país que tem maior quantidade de petróleo e gás natural neste tipo de xistos é a Venezuela. Também se sabe que há uma imensa quantidade de petróleo e gás natural no Ártico. Portanto na atualidade não estamos de modo nenhum próximos de um “peak oil”. O grande desafio em relação ao Acordo de Paris é saber se nós vamos fazer uma transição energética, ou seja, se vamos diminuir a nossa dependência a nível mundial nos combustíveis fósseis e baixar de 80%, para qualquer coisa como 10%, ou não. Isto é um desafio gigantesco. E então qual é a política do governo dos EUA? É dizer que isso é, pura e simplesmente, impossível. E dizer que, em vez de reduzirem o consumo de combustíveis fósseis, farão exatamente o contrário. E depois pergunta-se “Então e as alterações climáticas?” Bom… as alterações climáticas passa a ser quase um “salve-se quem puder”, em que há países que se podem adaptar e outros que têm de se conformar com as consequências. O atual presidente da EPA – Environmental Protection Agency – dos EUA pergunta “Porque é que é mau ter um mundo mais quente? Qual é a temperatura média global da atmosfera ideal?”. O discurso é este e em termos de crescimento da economia, ou seja, de crescimento do PIB é um discurso que colhe votos. Sabemos que, hoje em dia, a temperatura média do planeta é 15 graus Celsius. E ele pergunta porque é que não pode ser 18 ou 20ª C? Se isso acontecer, haverá muitas cidades nas regiões mais quentes da Terra em que se torna perigoso passear na rua, em certas épocas do ano, devido às temperaturas extremamente elevadas. A segurança alimentar em muitas regiões do mundo, especialmente nas regiões tropicais, não estaria garantida com um clima tão profundamente alterado. O egoísmo ético ou racional são cada vez mais frequentes na nossa época. E todos somos tocados por isso. É um mundo com tal abundância de produtos e serviços, que muitos dos que a podem usufruir estão fascinados e esquecem as desigualdades profundas e crescentes, a degradação cada vez mais visível do ambiente e a insustentabilidade do uso dos recursos naturais.

É tema recorrente a necessidade de reduzir as emissões de CO2, mas o que é que significa em concreto?

Significa, essencialmente, fazer uma transição para uma economia de baixo carbono. Isso faz-se desenvolvendo as energias renováveis – sabendo que estas energias têm problemas de intermitência é fundamental termos meios de armazenar energia e esse é um dos grandes desafios para a ciência, para a tecnologia e para a inovação: encontrar formas de armazenar energia, através de baterias ou de outros sistemas. O desenvolvimento de carros elétricos, por exemplo, está muito dependente de nós melhorarmos a tecnologia das baterias. O primeiro passo no caminho da menor dependência dos combustíveis fósseis é dependermos cada vez menos do carvão. Porque entre o carvão, o petróleo e o gás natural, para a geração da mesma quantidade de energia, o carvão emite mais CO2 que o petróleo e o petróleo emite mais CO2 que o gás natural. Portanto se um país que deixa de utilizar carvão e passa só a usar gás natural, as suas emissões já baixam consideravelmente. Porém, temos países, como por exemplo a Polónia, que têm muito carvão e que se recusam a deixar de o explorar e utilizar. A Alemanha, que cultiva um certo orgulho nas suas políticas ambientais, continua a ter bastantes minas de carvão a funcionar e a queimar esse carvão para gerar eletricidade.

Se tivesse de escolher uma medida muito concreta, uma alteração do estilo de vida atual ao alcance de todos nós, para a qual bastasse a vontade de cada um, essa medida seria relacionada com quê? Alimentação? Vestuário? Transportes? Água? Luz? Reciclagem?

Eu acho que é a questão da alimentação. E na alimentação, a quantidade de carne que consumimos. Porque a carne é um luxo em termos de impactos ambientais, designadamente em termos de consumo de água e de energia e de emissões de gases com efeito de estufa, especialmente o metano. Durante toda a história, sempre foi um luxo. Agora deixou de ser em grande parte do mundo. Ter uma dieta em que se come carne todos os dias é, à escala global, prejudicial para o ambiente e muito provavelmente também para a saúde. A dieta americana é muito baseada no consumo de carne. Se formos para a Índia, grande parte da população é vegetariana. A dieta que se pratica na Índia é muito mais sustentável. Mesmo a dieta mediterrânea, não tem tanta carne e inclui menos vaca, sendo assim mais sustentável.

Na pecuária, a criação de gado bovino, consome grandes quantidades de água e tem o problema das emissões de metano. No passado a China consumia muito menos carne de bovino, do que atualmente. De onde lhes chega essa carne? Em grande parte da América do Sul, especialmente do Brasil e da Argentina. No Brasil a maior parte das emissões de gases com efeito de estufa não vêm da combustão dos combustíveis fósseis mas da desflorestação e da pecuária.

De maneira que a alimentação tem, de facto, um grande impacto sobre as alterações climáticas.

Outra questão importante é a nossa mobilidade, que é cada vez maior, mas isso tem um custo ambiental porque gera um grande volume de emissões de gases com efeito de estufa. É necessário adotar uma mobilidade mais sustentável. E aqui as cidades desempenham um papel muito importante. Hoje em dia as populações concentram-se muito nas cidades e devemos ter cidades mais inteligentes, em que o consumo de água e energia esteja otimizado. Cidades que possam produzir alimentos (através, por exemplo, de culturas hidropónicas*) e energia (através de painéis solares). Há todo um conjunto de soluções possíveis mas que depende de duas coisas muito importantes: vontade individual e coletiva e investimento.

A Costa Rica tem, em certas zonas, minas em que se pode explorar o ouro a céu aberto. E a Costa Rica negou-se a fazer essa exploração porque isso implicaria o abate de grandes áreas de floresta e prefere optar por um turismo de natureza sustentável. É um belo exemplo!

Se fizermos uma transição, a nível mundial – e tem mesmo que ser a nível mundial, senão, não funciona – conseguimos chegar a um patamar melhor. Se muitos países não cooperarem na adoção de novos comportamentos e desrespeitarem as regras – os chamados “free riders” – então a estratégia, por muito boa que seja, está, à partida, condenada.

Acha possível, alguma vez, vermos “Direitos Ambientais” consignados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e o seu desrespeito ser considerado uma violação dos mesmos?

É uma questão tentadora. Porém os direitos ambientais não estão definidos. O mais importante, para já, é que as pessoas estejam conscientes de que nós continuamos muito ligados e dependentes do ambiente e dos recursos naturais. E que a tecnologia não resolve tudo, ao contrário do que muitos acreditam. Em muitos aspetos o ambiente ainda tem e terá a última palavra. Há uma teoria que diz que a relação com o ambiente é, até certo ponto, supérflua, e que nós podemos ser independentes do ambiente, substituindo os seus serviços por produtos e serviços obtidos através da ciência, da tecnologia e da inovação. Alguns acreditam que caminhamos para uma singularidade tecnológica devido ao ritmo crescente de aparecimento de novas tecnologias, instrumentos e produtos. A singularidade dá-se quando os computadores, por meio da inteligência artificial, adquirirem uma autonomia e uma capacidade de resolução de problemas, de mobilidade e de interação com o ambiente e com o homem superior aos próprios humanos. Nesta visão pós-humanista a natureza e o ambiente perdem o seu antigo valor. O problema é que nem todos podem beneficiar destes avanços tecnológicos pelo que muitos continuarão confrontados com os mesmos problemas de sobrevivência, como se fossem os “zombies” de um mundo disfuncional. As utopias pós-humanistas conduziriam a maiores desigualdades e a maiores problemas sociais. Tentar dissociar o homem do ambiente é uma tarefa perigosa e impossível de realizar para o conjunto da humanidade. Implicaria a negação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

* Hidroponia é a arte e a ciência de crescer plantas numa solução de água e nutrientes em que as raízes são suportadas por um meio que não o solo.