Uma história para não adormecer

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Esta é uma história para não adormecer. É uma história difícil, como muitas outras que, infelizmente, chegam aos nossos Centros Porta Amiga, mas que vale a pena contar para que todos os que sejam protagonistas de cenários dolorosos como este saibam que existem respostas para os seus problemas.

Um dos Centros Porta Amiga da AMI em Portugal acompanhava uma mãe (com limitações cognitivas consideráveis) e duas filhas, tendo os técnicos verificado que a família vivia numa situação extremamente vulnerável e que as duas crianças poderiam estar em risco.

A mãe separou-se em 2014, devido a vários conflitos com o pai das menores, onde a violência e os comportamentos desajustados eram uma constante. Após esta separação, as crianças passaram a ter pouco contacto com o pai, visitando-o apenas em alguns fins de semana.

No final de 2017 e sem qualquer informação prévia à equipa técnica do Centro Porta Amiga, a mãe decidiu mudar de cidade com as duas filhas e o novo companheiro. Porém, o relacionamento pautou-se por conflitos de severa gravidade, envolvendo também as duas crianças, tendo a beneficiária conseguido fugir com o apoio da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ).

Para além de ter contraído várias dívidas quando vivia com o companheiro, o que a impedia de ter eletricidade na nova residência, a mãe demonstrava uma negligência grave para com as menores, nomeadamente ao nível da higiene, das condições da habitação, das refeições e até nas questões de saúde.

A casa encontrava-se atolada de roupas sujas, brinquedos partidos, restos de eletrodomésticos espalhados pela casa, não tinha qualquer mobília no quarto das crianças, a cozinha tinha um fogão que não funcionava e a despensa estava atulhada de coisas.

Para agravar a situação, a nossa equipa técnica descobriu que o apartamento era subarrendado a diversos homens, sendo que o quarto e o colchão onde dormiam as menores também era partilhado com a mãe e o seu companheiro.

Foi ainda possível detetar que a filha mais velha ia para a escola sem saber onde ia almoçar, não tinha senha de refeição, nem sabia se a mãe estaria em casa, pelo que o Centro Porta Amiga garantia sempre o almoço daquela criança.

Era uma menina muito responsável para a sua idade, que se habituara a assumir como suas as preocupações relacionadas com a habitação, as dívidas da água e da luz, e outros encargos da competência da mãe, demonstrando também um sentimento de proteção e um cuidado muito peculiar para com a irmã mais nova.

As situações de violência e de abuso repetiam-se. A exposição constante a perigos iminentes era promovida pela mãe, o que obrigou a equipa técnica a colocar em causa as competências parentais da mesma, de forma a assegurar a proteção e segurança das crianças.

Considerando que o supremo interesse das crianças estava comprometido, desenvolveu-se uma intervenção social no sentido de proteger e afastar as crianças do risco em que viviam.

A equipa técnica articulou, inicialmente com a CPCJ, e posteriormente com a EMAT (Equipas Multidisciplinares de Apoio aos Tribunais), um plano de intervenção para esta família, tendo realizado visitas domiciliárias conjuntas e solicitado uma avaliação psiquiátrica da mãe e da filha mais velha.

Todas as entidades, desde a CPCJ à EMAT, ao serviço de psiquiatria do hospital, e ao nosso Centro, colaboraram neste processo, não tendo restado qualquer dúvida em relação ao risco que estas crianças corriam. Expostas constantemente a ambientes de extrema instabilidade, violência e abuso, as crianças estavam entregues a si próprias.

Neste momento, as crianças encontram-se protegidas, numa associação de acolhimento, tendo sido restabelecido o contacto com o pai e os avós paternos, que visitam as meninas semanalmente, tal como com a mãe.

Não foi um processo simples, nem uma deliberação imponderada. Contudo, a equipa da AMI, depois de fazer tudo o que era possível no âmbito do acompanhamento familiar, não teve alternativa senão decidir, olhando ao superior interesse das menores.

Foi uma resposta a um pedido de ajuda destas crianças, cuja história acreditamos que ajudámos a mudar e que esperamos possa vir a ter um final feliz.


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