A tragédia da Síria e do(s) seu(s) povo(s)

Qualquer análise, por mais sumária que seja, sobre a enorme tragédia em curso na Síria há vários anos, com centenas de milhares de mortos e milhões de deslocados internos e refugiados na região (Líbano, Turquia, Iraque/Curdistão Iraquiano…) e na Europa, será inútil e infrutífera se não tiver em conta o que, a seguir, saliento:

  1. O percurso histórico da região, do ponto de vista dos seus sucessivos impérios dominantes ou opressores (Assírio, Hitita, Babilónio, Persa, Greco-Romano, Bizantino, Otomano, Franco-Inglês);
  2. As influências religiosas, nomeadamente das três religiões monoteístas do Livro que por lá se difundiram (Judaica, Cristã, Muçulmana) e se expandiram com maior ou menor expressão, sempre presentes até hoje nas suas multiplicidades;
  3. Os jogos geopolíticos energéticos e estratégicos das atuais grandes potências;
  4. As reações emocionais e epidérmicas, absolutamente irracionais;
  5. Os acontecimentos político-militares nos países vizinhos: Líbano/Hezbollah (assassinato do Primeiro-Ministro sunita Hariri, amigo pessoal do então Presidente francês Jacques Chirac e do atual Emmanuel Macron), Israel, Iraque, Irão, Arábia Saudita e Emiratos do Golfo, Turquia…);
  6. As visões, interesses e atitudes culturais diferentes, embora intrincadas, do mundo “ocidental” UE/EUA, do mundo oriental, da Rússia, da China e do conflito entre as componentes sunitas e xiitas do Islão.

A tragédia Síria, incomensurável e indomável, decorre de uma equação com inúmeras variáveis, em que o “Ocidente” e os seus aliados na Região amadureceram um plano geoestratégico e energético de controlo do Médio-Oriente, com a manifesta oposição da Rússia. Tiveram em conta o jogo e interesses da Arábia Saudita e afins, radicais sunitas, contra os xiitas no Irão, Líbano, Iraque e Síria (alauitas)…!) ignorando os “efeitos colaterais” que tal política teria sobre as populações da Síria e dos países vizinhos.

O resultado é uma catástrofe humanitária tremenda, sem fim à vista, onde Ghouta é, apenas e só, depois de inúmeras outras regiões, cidades, vilas, aldeias e localidades, mais um clímax de medo, sofrimento, morte e horror vividos por centenas de milhares ou milhões de seres humanos, reféns da brutalidade impiedosa, incontrolável de todos os grupos armados, todos facínoras, todos culpados e todos manipulados pelos interesses das grandes potências.

Nesse macabro cenário, onde os humanitários se revelam completamente impotentes e sem a mínima hipótese de uma ação benéfica consequente, só os civis são e estão inocentes!

É em nome desses inocentes, os já mortos, estropiados, esfomeados, em fuga e em pavor permanente que grito: Basta!

A Síria que eu conheci, ainda em Paz, já morreu. Mas um amanhã é possível ainda, embora com inúmeras cicatrizes indeléveis.

Possam todos os responsáveis, os pseudo-justiceiros e democratas ou os seres iluminados pelo Amor ao outro e pela Paz, como o foi São Paulo na estrada de Damasco há cerca de 2.000 anos, contribuir para esse amanhã, talvez ainda possível.

Oxalá!

Fernando de La Vieter Nobre, Presidente e Fundador da AMI.