Toda a criança tem o direito a ser ouvida

Entrevista a Susana Pereira, responsável pelo Espaço de Prevenção à Exclusão Social (EPES) de Vila Nova de Gaia:

Em que medida a existência do Espaço de Prevenção à Exclusão Social (EPES) contribui para o aumento do sucesso escolar das crianças que o frequentam e como é que isso é alcançado?

O Espaço Criança é um espaço que representa para as crianças, muito mais que um comum ATL ou Centro de Estudos. Isto porque para além da componente escolar, existe uma forte aposta nossa na componente comportamental. Isto faz com que consigamos criar com estes grupos de crianças, laços e uma proximidade quase familiar com eles. As colegas que lidam diretamente com eles são, para alguns, a amiga, a confidente, a muleta emocional que muitos não têm em suas casas. A partir do momento em que conseguimos este tipo de relação com elas, tudo se torna muito mais fácil.

Para os que frequentam o EPES, apenas por apresentaram uma índole comportamental desadequada, quando os conseguimos ter “do nosso lado”, acabam por ser excelentes alunos, uma vez que ao trabalharem-se as questões comportamentais, o resto acaba por acontecer naturalmente. No caso das crianças que nos são encaminhadas por dificuldades de aprendizagem, é frequente optarmos por fazer uma articulação com as colegas das escolas (psicóloga, assistente social, diretora de turma), no sentido de percebermos melhor em que consistem essas dificuldades e como podemos superá-las em conjunto. São crianças normalmente muito motivadas e esforçadas, pese embora as suas dificuldades. Também o fator de proximidade e relacionamento estreito que conseguimos construir com eles, ajuda muito nesse sentido.

Por norma começamos o ano com meninos e meninas que tiveram muitas notas negativas no ano anterior ou que ficaram retidos e conseguimos terminar o ano com taxas de insucesso muito baixas. É feita sempre uma avaliação do sucesso escolar e calcula-se a taxa de retenções, a taxa de sucesso e insucesso.

As estratégias de acompanhamento escolar que aplicamos a cada criança são delineadas e desenvolvidas de forma individualizada. Até a forma como lidamos em matéria de comportamento com cada uma delas é diferente, porque elas são todas diferentes. Portanto, a adaptação da nossa forma de atuação é a chave destes resultados que conseguimos ter com estes grupos de crianças/jovens, que quando chegam até nós, muitos deles já têm histórias de vida e situações familiares muito difíceis e extremamente complicadas.

E porque a nossa intervenção é muito, muito além da escolar, as famílias acabam todas por ser envolvidas. Mães, pais, avós. A família que está na retaguarda e pode ter um papel na mudança destes percursos de vida. Por isto, é que também acabam por se criar laços muito profundos com estas crianças. Sentimos que em muitos deles. deixamos uma marca. E por isso muitos deles, continuam, mesmo depois de terminarem a sua frequência no EPES, nos continuam a procurar, a querer participar nas férias de verão, nas atividades…

Quantas crianças frequentam os espaços EPES? E com que idades?

Tentamos sempre ter à volta de 25 crianças. Claro que ao longo do ano temos algumas que desistem (embora a taxa de desistência seja baixíssima) e algumas vão sendo integradas. Por isso, ao longo do ano, podem passar pelos EPES, entre 30 a 35 crianças. As idades variam entre os 10 e os 14 anos.

Que objetivos e expectativas têm para este espaço nos próximos meses?

Os objetivos e expetativas são de uma forma geral comuns todos os anos. A nossa prioridade é apoiar e acompanhar individualmente cada criança na realização dos trabalhos de casa, apoiar e acompanhar as várias disciplinas escolares, preparar as crianças para os exames e momentos de avaliação escolar, estimular a escrita, a leitura e a criatividade pedagógica, detetar dificuldades de aprendizagem, promover competências e técnicas de estudo e de pesquisa, promover competências pessoais, sociais e culturais, educar para a cidadania, promover comportamentos e atitudes adequados, prevenir comportamentos de risco, detetar problemáticas e disfuncionalidades familiares.

No âmbito do Espaço Criança, criou-se um Espaço de Acompanhamento Familiar. Este Espaço foi constituído num primeiro momento, com o objetivo de divulgar e informar acerca do funcionamento do EPES, criando uma rede de articulação com encarregados de educação, professores e demais técnicos intervenientes no processo de acompanhamento. Numa segunda fase, propusemo-nos efetuar um trabalho social e psicopedagógico de intervenção e acompanhamento destas famílias, mais próximo e estreito.

Pode-se dizer que é, por excelência, um Espaço dedicado ao trabalho que se realiza com as famílias das crianças que frequentam ou frequentaram o EPES e são por isso alvo de um acompanhamento psicossocial contínuo e adaptado. É neste contexto que são realizados acompanhamentos em conjunto com os diversos técnicos intervenientes do plano de reinserção social do agregado familiar. Este tem sido absolutamente fundamental na intervenção e atuação em situações de risco para a criança (maus-tratos, bullying, insucesso, absentismo escolar, negligência infantil, problemas familiares), assim como noutro tipo de problemáticas do foro psicológico, nomeadamente, perturbações da aprendizagem ou disruptivas do comportamento e de hiperatividade com défice de atenção.

Mas também nas problemáticas do foro económico, ocupacional, habitacional, de acesso aos cuidados/serviços de saúde, de interação com o sistema legal e do foro social e ambiental, que afetam todo o agregado familiar (doença, desemprego, violência doméstica, ausência ou más condições de alojamento, entre outras).

Esta metodologia que se adotou visa a estruturação de um plano de intervenção, no qual se trabalhem competências parentais e educacionais, competências pessoais, sociais e de responsabilização familiar, de assiduidade e acompanhamento do respetivo educando, de procura de emprego, entre outras que se achem pertinentes.