Sexualidade e saúde – Acabar com tabus, salvar jovens gerações na Guiné-Bissau

O uso de preservativo, as doenças sexualmente transmissíveis, a gravidez precoce e o crime da mutilação genital feminina foram, durante muitas gerações, temas difíceis de abordar na ilha de Bolama. Entre 2021 e 2022, o projeto Papia Ku Mi colocou crianças, adolescentes e adultos a conversar sobre o mundo de hoje e o que podem mudar.

Em Bolama, na Guiné-Bissau, crianças, adolescentes e jovens adultos estão a derrubar tabus sobre a saúde sexual e reprodutiva, desde que a AMI implementou em março de 2021 a primeira fase o projeto Papia Ku Mi (“Fala Comigo”, na tradução do crioulo guineense para português), que terminou em fevereiro deste ano.

Hoje, a liberdade sexual consciente é ‘palavra de ordem’, transmitida entre gerações por jovens como Ana, Núria, Sana e Abilai. Em tempo aprendizes, agora, mensageiros, garantem que “o Papia Ku Mi mudou mentalidades entre os mais novos e mais velhos, levando a uma maior utilização de métodos anticoncecionais e à firme condenação da mutilação genital feminina”.

Bons resultados que levaram a AMI a aceder aos pedidos da comunidade e abrir uma segunda fase do Papia Ku Mi, de março a julho, durante a qual a instituição continuou a trabalhar sobre a promoção dos direitos sexuais e reprodutivos dos 5.248 habitantes da ilha, em particular na população entre os 10 e os 24 anos, metas que a AMI conseguiu alcançar em parceria com a Direção Regional de Educação de Bolama, a Direção Regional de Saúde de Bolama e a Rádio Pro-Bolama; com o apoio do Instituto Camões; e investindo 121.927,00 euros.

Ana Djaló, ativista comunitária do “Papia Ku Mi” decidiu que queria entrar no projeto “porque em Bolama havia muita dificuldade em explicar às crianças e jovens o que é a saúde sexual e reprodutiva”. Quando passou de beneficiária a agente de mudança, Ana ficou “feliz” porque, “a AMI estava a recrutar os jovens para serem os agentes da mudança”. Apesar das dificuldades em transmitir mensagens, “por vezes, muito delicadas”, Ana não desiste e defende: “nós temos a vontade, o amor e a coragem para tornar a nossa sociedade muito melhor”.

A sua persistência que já permitiu a Ana identificar resultados quando “os jovens começaram a ter conhecimento sobre o que acontece com o seu corpo e e a fazer perguntas, livres de vergonha”.

Núria Corealandi tornou-se uma “Amiga Informada” do Papia Ku Mi para “ajudar os jovens a saberem como devem cuidar da sua saúde e sexualidade”. Enquanto voz ativa na comunidade está atenta a mudanças, como “a diminuição das infeções por doenças sexualmente transmissíveis”.

Se os jovens procuram conhecer e proteger o seu corpo, inicialmente os mais velhos apresentaram alguma resistência, para abordar questões relacionadas com a saúde sexual.

Sana Cassamá, técnico local do Papia Ku Mi viu entre os líderes comunitários muçulmanos “alguma dificuldade em abordar o tema das práticas nefastas”, no qual está incluída informação sobre as consequências da mutilação genital feminina. Com o avançar do projeto, Sana diz que “foi possível incutir aos pais e líderes comunitários as consequências da excisão feminina e o alerta dos médicos sobre o quanto prejudica a saúde da mulher, sobretudo no momento do parto”.

O resultado foi significativo para o técnico local que afirma é “importante tomar medidas, como o Estado da Guiné-Bissau tomou, fazendo parte do grupo de países que condenam a excisão feminina”. Mas “é sempre necessária mais sensibilização sobre a excisão”.

A abertura gradual dos mais velhos à informação deixou os jovens confiantes para viverem a sua sexualidade. Sana constata que “uma grande quantidade de preservativos tem sido pedida pelos jovens nos serviços de aconselhamento de saúde sexual e reprodutiva”, uma significativa emancipação em comunidades onde há grande incidência de doenças sexualmente transmissíveis e gravidez precoce, “sendo preciso entender que estar grávida é normal, mas a mulher deve ficar grávida quando deseja”.

Sana reconhece que, em comunidades onde a vida é organizada ao redor de uma profunda fé, seja muçulmana ou católica, “os métodos anticoncecionais são condenados de uma forma que não se adapta à realidade de hoje”. Uma realidade em que “meninas e meninos iniciam a vida sexual cada vez mais cedo, sendo, por isso, importante prevenir em comunidade, para termos uma juventude saudável”.
A divergência de opiniões entre o que os jovens querem e o que os líderes religiosos das comunidades aceitam, também alcançou Abilai Indjai, técnico local do “Papia Ku Mi”.

Abilai Indjai recorda como “o Papia Ku Mi ajudou muitas pessoas com aconselhamento e anticoncecionais”

O ativista teve um início de percurso conturbado, quando começou a levar as ações de sensibilização para o terreno, tendo chegado a pensar abandonar o projeto. Mas, “depois de serem feitas adaptações em algumas palavras e métodos de sensibilização, foi possível avançar, mesmo nas comunidades que tinham mais dificuldade em aceitar a mensagem”.

Hoje, a maioria da população de Bolama pede para o “Papia Ku Mi” continuar na ilha, “porque o projeto ajudou muitas pessoas com aconselhamento e anticoncecionais, aos quais a comunidade não tinha condições para aceder sozinha”.

500 Jovens inquiridos
350 Sessões de “Conversas de Jovens”
200 Ações de sensibilização com pais e educadores
14 “Amigos informados”
80 Reuniões
70 Atividades criativas
50 Raparigas confecionam pensos higiénicos reutilizáveis
26 Ativistas comunitários
7 Professores
7 Clubes de jovens
7 Programas de rádio
2 Técnicos de projeto
1 Serviço de saúde sexual e reprodutiva


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