“Senti-me de África assim que cheguei a Moçambique”

Aprendeu crioulo guineense em tempo record e transformou a saudade num livro, Isabel Fernandes sempre soube que “nasceu para regressar a África e ajudar todas as pessoas que conseguisse”.

Desde criança, Isabel Fernandes estava determinada a ser voluntária humanitária. Esperou dezoito anos para começar a sua jornada em África e nunca mais esqueceu o primeiro minuto: “quando saí do avião, o calor, as cores, o cheiro, era tudo familiar, senti-me de África assim que cheguei a Moçambique”. Ao longo de uma década de experiências, escreveu um livro nas margens do Grande Rio Buba, foi reconhecida como “Melhor Voluntária” da Europa, apaixonou-se pela Guiné-Bissau e abraçou um Moçambique devastado pelo Idai.

O sonho “sem fim”, mas, “nada doce” começou em 2009, na localidade de Chimundo, província de Gaza, em Moçambique, onde fez voluntariado num centro de ocupação de tempos livres dedicado a crianças e adolescentes, implementado pela AIDGLOBAL – Ação e Integração para o Desenvolvimento Global.

Regressou a Chimundo em 2019, na mesma época em que Moçambique foi atingido pelo ciclone Idai. Reencontrava as crianças de outrora, agora homens e mulheres, quando recebeu a proposta para coordenar a missão de emergência da AMI na Beira. Recorda “um cenário de filme, com um ritmo imparável de caixas descarregadas no aeroporto, centenas de organizações não governamentais [ONG] e helicópteros em voos constantes. Reerguiam-se casas e as mulheres vendiam fruta pelas ruas”. A cólera e a malária espalharam-se rápido.

Experiente nas missões de desenvolvimento, aprendiz na emergência humanitária, Isabel acompanhou a instalação da base da AMI no Centro de Saúde de Manga Nhaconjo. E assistiu à importação de um hospital de campanha da AMI. A palavra sobre o que havia em Manga Nhaconjo voou entre os moçambicanos e, em poucas semanas, eram atendidos mais de 100 casos por dia.

Amor à Guiné-Bissau e a pergunta milagre

Enfrentar a devastação deixada pelo Idai só foi possível porque, entre Chimundo e a Beira, outras experiências em África firmaram a resiliência de Isabel.

Com a ATACA – Associação de Tutores e Amigos da Criança Africana regressou a Moçambique, em 2011, para coordenar o projeto “Tutor à Distância”.

Numa época em que “percorria vários quilómetros de bicicleta para chegar ao cibercafé onde podia enviar um e-mail à família”.

“Tudo valeu a pena”, para levar a centenas de famílias uma pergunta-milagre: “se fosses dormir e durante a noite acontecesse um milagre, como querias que fosse a tua vida? Os rostos iluminaram-se. Sonhavam com uma porta para casa. No lugar de uma esteira, um colchão para dormir. Queriam eletricidade ou uma televisão”.

Época de entrega total, o trabalho com a ATACA valeu a Isabel o prémio de “Melhor Voluntária”, atribuído pela Active Citizens of Europe em 2012.

Em 2016, teve o primeiro contacto com a AMI, selecionada para coordenar um projeto de saúde materno-infantil na Guiné-Bissau. A única época em que sentiu um choque cultural, pois “pensava que ia falar português, mas nas pequenas comunidades da região de Bolama e de Buba só se fala crioulo guineense”.

A disposição para aprender crioulo em tempo record tornou-se o espelho do “amor pelas pessoas, clima e natureza virgem da Guiné-Bissau, onde os conflitos não refletem 1% da riqueza do país”. O berço onde, até 2018, embalou as “Histórias da Tia Que Vive Na Selva”, dedicadas ao sobrinho e transformadas em livro. O valor das vendas reverteu para a construção de uma escola em Gã-Bacar, outro projeto da AMI na região de Bolama.


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