Professores em manifestação contra “escola pública denegrida”

Os professores consideram-se precários e em risco de empobrecimento devido aos anos que passam deslocados. Apesar de serem o braço forte das escolas, os auxiliares têm vencimentos próximos ao salário mínimo nacional. Nos hospitais, enfermeiros lutam contra a falta de material e tabelas salariais baixas para um trabalho que garante todo o bem-estar dos doentes.

Ana Patrão alega que a dignidade da carreira de professor está comprometida.
Foto: José Ferreira/AMI

Em marcha de norte a sul, professores e auxiliares afirmam que “o trabalho em Portugal é precário e um direito pouco garantido”. Nas escolas reclama-se pelo 23.º direito da Declaração Universal dos Direitos Humanos: todo ser humano tem direito ao trabalho e dignidade no trabalho.

Há muito tempo que a Avenida 24 de julho não acolhia tamanha multidão como os professores que, a 28 de janeiro, marcharam de Alcântara até Belém, reivindicando ser recebidos pelo Presidente da República. Lado-a-lado exigem um aumento de 120,00 euros; opõem-se à contratação de professores pelas direções das escolas ou instituições concelhias; exigem a recuperação total das carreiras congeladas entre 2005 e 2017 e o acesso ao 5.º e 7.º escalão da carreira por mérito.

A professora Ana Patrão embarcou num dos autocarros que partiu de Cinfães rumo a Lisboa para se manifestar junto de 80 mil colegas de profissão contra os “desrespeitados numa escola pública denegrida”. Contratada há oito anos acompanha de perto professores que “optam por ficar longe das suas famílias para se conseguirem vincular, ficando cada vez mais empobrecidos e continuamente sujeitos à precariedade”.

Um professor contratado do primeiro escalão recebe pouco acima de mil e cem euros e trabalha mais do que 35h00 semanais para preparar aulas e relatórios. “Com este volume de trabalho e este salário um casal de professores deslocados e com filhos, não ganha o suficiente para pagar casa, alimentação, água, luz”, afirma Ana Patrão.

Além da precariedade económica, “o direito a uma carreira digna é colocado em causa pela avaliação de desempenho sujeita a quotas no acesso ao 5.º e 7.ºescalão, ditadas pela percentagem máxima de professores, por escola, que podem ter classificação elevada”. Com anos de compasso de espera para subir de carreira, professores com dez anos de experiência têm salários idênticos ao dos recém-licenciados.

Desde que iniciou uma carreira como professor, Miguel Cunha sente que “ainda não houve um momento de paz laboral para, simplesmente, lecionar”.
Foto: José Ferreira/AMI

Depois de anos deslocado, o professor Miguel Cunha está agora fixo numa escola, mas, ainda espera pela oportunidade de aceder ao 5.º escalão. Miguel Cunha sente que “ainda não houve um momento de paz laboral na carreira, para simplesmente lecionar”. Tal como Ana Patrão, defende a redefinição do método de avaliação, para que os professores tenham “acesso a classificações justas e a uma carreira de mérito”.

O braço forte das escolas

Maria Martins dedicou mais de 30 anos de vida à carreira de auxiliar da ação educativa, “hoje apenas categorizada como assistente operacional”. No final da década de 1980, quando ingressou na função pública, “apesar dos salários serem baixos, existia orgulho em ser o braço forte das escolas”. Depois, a vida encareceu, a progressão na carreira e os aumentos foram sendo cortados, e “os auxiliares das escolas mergulharam na precariedade económica, com salários que nunca foram compatíveis com as exigências da carreira”.

Aposentada com 420,00 euros, Maria Martins faz parte dos 9% de beneficiários da AMI que, apesar de terem rendimentos só de trabalho, necessitam recorrer a apoios sociais. Da população que encontra na AMI acesso a alimentos, consultas médicas ou material escolar, cerca de 8% recebe apenas entre 301,00 euros a 500,00 euros e 6% recebe entre 501 e 700 euros.

Durante a maior parte da carreira Maria Martins auferiu um salário com pouca diferença do mínimo nacional. Nos últimos anos “ganhava o mesmo que as colegas que tinham acabado de ingressar na carreira”.

Muito pouco, para profissionais que prestam apoio aos professores na sala de aula, assistem os alunos no recreio e garantem a limpeza de toda a escola. Maria Martins chegou a “limpar sete salas por dia e vigiar os alunos quando os professores se atrasavam na entrada da manhã ou na hora de almoço”. Nunca ganhou mais pelo trabalho extraordinário.

Quando vê os professores em manifestação e, ao seu lado, os auxiliares, “agora assistentes operacionais”, Maria Martins pensa que “se a solidariedade entre professores e auxiliares fosse mais forte, e não uma conveniência de greves, ambas profissões teriam ficado mais protegidas”.

“Num hospital do SNS, às vezes, nem luvas há para trabalhar”

Também Ricardo Alves gostava que médicos e enfermeiros estivessem mais alinhados. Ingressou na carreira de enfermeiro em 1998, no Serviço Nacional de Saúde, mas a falta de regulamentação para o exercício da profissão tem levado Ricardo Alves a pensar que “se um dia tiver de escolher entre o público e o privado, certamente ganha o sector privado”. Há ainda outros fatores como o facto de “num hospital do SNS, às vezes, nem luvas há para trabalhar e para um enfermeiro é doloroso ver um doente a precisar de melhores cuidados e não poder dar”.

Um enfermeiro pode auferir entre oito a dezoito euros por hora de trabalho no Serviço Nacional de Saúde e “à primeira vista parece razoável para quem ganha muito menos”. Ricardo Alves alerta para que não se caia no erro de pensar que os enfermeiros estão confortáveis. Afinal, “durante um turno de trabalho, um enfermeiro presta cuidados de saúde variados, desde a colheita de sangue à higiene pessoal dos doentes”.

Entretanto, as reuniões entre o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e sindicatos sucedem-se. Da educação à saúde, passando pelos transportes públicos e restauração e hotelaria, 16,2% de trabalhadores precários esperam por outro futuro.


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