Pobreza no Feminino: uma realidade que persiste

O papel da mulher na sociedade tem sido, desde sempre, menosprezada, mesmo esta contribuindo de forma decisiva para o desenvolvimento das sociedades modernas. Em matéria de género e ao longo da história, a mulher tem sido alvo de segregação, desigualdades e perseguição no seio de uma humanidade que ajudou a construir e na qual tem um papel determinante.

O ano de 2020 agudizou estas desigualdades. Basta referir os equipamentos sociais da AMI em Portugal que das 9.633 pessoas que apoiou, 52% foram mulheres. Não há idades específicas para as mulheres que procuram algum tipo de apoio, podem ir dos 16 aos 65 anos (62%) e ainda mulheres maiores de 65 anos (57%).

As mulheres registadas em situação de maior vulnerabilidade são maioritariamente imigrantes, muitas vezes indocumentadas (56%) com vários trabalhos para garantir conseguir ao final do mês o equivalente ao ordenado mínimo nacional.

Fatores como pobreza e exclusão social, baixa escolaridade, violência doméstica, falta de suporte familiar, falta de empregabilidade e apoios institucionais ou sociais são alguns dos principais motivos que levam a mulher a cenários e vivências de maior vulnerabilidade.

“As desigualdades de género manifestam-se, simultaneamente, no trabalho, na classe social, da cultura, na etnia, na idade, na raça. Nunca ou raramente uma das variáveis se apresenta sozinha. Trata-se sistematicamente de causas multidimensionais e sectoriais, com uma longa pré-existência no contexto das sociedades humanas” – esclarece Ana Martins, diretora do Departamento de Ação Social da AMI.

No decorrer do ano de 2020, em plena pandemia, os principais motivos verbalizados pelas mulheres que recorreram aos apoios dos serviços sociais da AMI, foram a precariedade financeira (63%) e o desemprego (32%), seguindo-se a doença física (14%).

De acordo com a UN Woman, mesmo antes da pandemia despoletar, 1 em cada 3 mulheres experienciaram algum tipo de violência, o que significa que 243 milhões de mulheres foram vítimas de violência, seja de cariz psicológico, físico e sexual, maioritariamente causada pelos seus parceiros.

As causas podem ser múltiplas e persistentemente agravadas pela dependência financeira do agressor ou disparidade salarial em relação ao mesmo, condições precárias de habitabilidade, isolamento social em coabitação com os agressores, restrições na livre circulação e falta de acesso a entidades de apoio públicas. Embora as causas sejam inúmeras, existe um denominador comum que as liga: a pobreza.

Na União Europeia, cerca de 50 mulheres por semana perdem a vida devido a violência doméstica, uma realidade que se agravou durante o confinamento e com a falta de meios de ajuda disponíveis.

Em paralelo, existem múltiplos elementos de bem-estar inerentes à condição de ser mulher e a pobreza deve ser encarada como um estado de privação não só de bem-estar, mas de autonomia e liberdade. Em termos de profissão, as mulheres desempenham sobretudo funções nos sectores tradicionais do comércio, do alojamento, da restauração e nos serviços sociais e pessoais, profissões associadas à precariedade financeira e contratual.

Ao longo de 2020, foram identificados pela AMI 175 casos de violência doméstica (84% – contra mulheres), sobretudo contra mulheres entre os 40 e os 59 anos, seguido de mulheres entre os 30 e os 39 anos (21%).

Em resultado de todas as causas já mencionadas, muitas mulheres, inclusive em situação de monoparentalidade vêm-se na situação de sem-abrigo. Anualmente, são apoiadas pela AMI cerca de 1.489 pessoas em situação de sem-abrigo, das quais 25% são mulheres. Dos cerca de 593 novos casos que surgem anualmente, 28% dos casos são mulheres.

Entretanto, 2020 foi um ano em que a necessidade de suportes sociais e institucionais disparou em todos os campos e garantir os direitos fundamentais de todos tornou-se um desafio praticamente impossível para todas as entidades envolvidas em amparar desigualdades e necessidades básicas, desde a saúde ao apoio alimentar. Verificou-se também um crescendum nos pedidos de apoio por parte das mulheres que, segundo dados atualizados do Parlamento Europeu ficaram em maior risco de desemprego durante a pandemia, já que muitas vezes trabalham através da economia informal, seja nos cuidados infantis ou no trabalho doméstico – onde a ausência de direitos laborais e a exclusão de direitos sociais e direito à saúde ou ao desemprego as colocam numa situação muito precária.

“As desigualdades de género manifestam-se, simultaneamente, no trabalho, na classe social, na cultura, na etnia, na idade, na raça. Nunca ou raramente uma das variáveis se apresenta sozinha.”

Ana Martins, Diretora do Departamento de Ação Social e Administradora da AMI

A falta de direitos e garantias do género feminino continua a ser um tema que precisa de debate, esclarecimento e ação num corpo social marcado pela predominância de símbolos culturais masculinos e conceitos normativos que colocam a mulher em “espaços” longe da liberdade de expressão, da representatividade, liderança e poder de escolha.

Ana Martins termina defendendo que “é urgente que se passe dos textos bem-intencionados para a real aplicação das medidas que podem evitar a discriminação entre homens e mulheres. Para que tal aconteça, a pedagogia comportamental e psicossocial tem que ser realizada nas escolas e na família. As sociedades são vividas e não lidas, o que faz com que seja necessário trabalhar na mudança de atitude e de pensar, no seio das políticas sociais e na aplicação dos princípios universalistas da constituição portuguesa e das diretrizes europeias e mesmo internacionais”.


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