Para quando o Estado da Palestina?

A fragmentação dos territórios palestinianos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e a consequente segregação do seu povo foi considerada no mais recente relatório da Amnistia Internacional como um apartheid instituído pelo Estado de Israel, equiparando-o ao regime vivido na África do Sul por mais de 50 anos.

O que começou no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, com a Alyia do povo judeu, que procurou na Palestina a segurança da terra prometida, rapidamente escalou para um confronto interminável entre posições radicais de judeus e palestinianos, inflamado pela ineficiente administração britânica na região. 

A Catástrofe 

Em 1947, as Nações Unidas proclamaram o Estado de Israel e delimitaram-se as fronteiras da Palestina em dois estados, o de Israel e o da Palestina, com a intenção de mitigar as tensões vividas neste ponto do Médio Oriente, delineando a cidade sagrada de Jerusalém como fronteira e lugar de culto, de ambos os territórios que a proclamam até hoje como sua capital.  

O povo palestiniano rejeitou esta tomada de decisão internacional, pois a delimitação das suas fronteiras havia decrescido significativamente a favor daquele que seria o território do novo Estado de Israel.  

A convivência entre os dois povos semitas, judeu e palestiniano, tornou-se inviável por via de uma série de atentados e apropriações territoriais, pelo que os países vizinhos se viram impelidos a intervir em resposta à perseguição de milhares de palestinianos. Começou o momento que, na história da Palestina, é conhecido como a “Al-Nakba” ou “a Catástrofe”, os mais trágicos 11 dias desde o início deste conflito, causando milhares de mortes e refugiados. 

Dignidade expropriada 

Sucederam-se décadas de subjugação do povo da Palestina, cujo diminuto território é gradualmente ocupado pelos settlers israelitas através da construção de kibutz ilegais, numa disputa de poder desigual e demolidora.  

São severas as restrições de circulação não só no interior da Cisjordânia e da Faixa da Gaza como entre ambos, parcos os acessos a recursos essenciais, débeis as poucas infraestruturas existentes, e a perseguição é recorrente por parte das forças militares israelitas.  

Para além da construção do muro que foi, desde 2002, erigido ilegalmente para dividir o território palestiniano fora daquelas que tinham sido as delimitações definidas pela comunidade internacional, veio separar brutalmente  comunidades e famílias palestinianas como uma estratégia para anexar território palestino ao Estado de Israel.  

São centenas de milhares os casos de famílias separadas há décadas por pouco mais de 100 km, que separam a Cisjordânia da Faixa de Gaza e que estão sob jurisdição israelita, que determina quem tem direito à mobilidade e sob que condições.

Uma crise esquecida pelo Ocidente 

 A auto-determinação do povo palestiniano parece ter ficado esquecida na agenda política internacional. Resultado: 7 milhões de refugiados por todo o mundo, dos quais 1.5 milhões em campos de refugiados dos países vizinhos como o Líbano, a Síria, a Jordânia e o Egipto. 

Presa pelas forças militares israelitas com apenas 16 anos por reagir à discriminação assídua e distópica de todos os dias, Ahed Tamimi foi, num passado recente, um exemplo da insurgência contra a violência quotidiana que impera neste estado de sítio.  Toda a pressão mediática em torno do encarceramento ilegal de uma menor resultou na libertação da jovem que permaneceu numa prisão israelita durante 8 meses. Na vila de Nabi Saleh, junto da sua família, Ahed Tamimi falou para a imprensa, defendendo que consegue vislumbrar dias de paz onde seja possível ”para todos (palestinianos e judeus) a convivência, sem fronteiras, sem ocupação, em igualdade de direitos”.

União de Mulheres Árabes 

Na cidade de Nablus, a norte da Cisjordânia, a Associação para a União das Mulheres Árabes foi criada em 1921 para servir as populações mais carenciadas da região, assumindo um papel muito relevante no decorrer da ocupação israelita, antes da criação do Ministério da Saúde Palestiniano, resultando numa significativa rede de coordenação e parcerias com entidades governamentais e outros parceiros.  

Com estas motivações e na última década, a Associação para a União das Mulheres Árabes, abriu três programas de educação e treino vocacional de forma a contribuir e construir uma economia mais próspera, reforçando o rendimento das famílias e tendo como foco mulheres e crianças, mas trabalhando junto de todos os habitantes da região independentemente do género ou faixa etária. 

Dra. Ohoud Yaish, Diretora e Fundadora da Associação explica que existe uma “urgente necessidade coletiva de desenvolver programas que ajudem economicamente a população palestiniana e trabalhar, particularmente, para empoderar mulheres de forma positiva”.  

Deste esforço coletivo, nasceu o Hospital da Associação para a União das Mulheres Árabes, com quem a AMI colaborou desde 2006 para a aquisição de duas ambulâncias e que tem servido a população em casos de emergência e feridos por bombardeamentos.  

Em entrevista com a Dra. Hanin Darwazeh, Relatora do Comité do Hospital, esta afirma que a crise vivida pelos palestinianos “é resultado da ocupação, o que afeta diretamente a capacidade dos cidadãos de acederem a serviços de saúde, em consequência das barreiras militares e dos inúmeros checkpoints existentes no espaço público, o que também limita o desenvolvimento do hospital, agravada pela pandemia que teve um forte impacto na capacidade operacional do hospital”. 

O hospital providencia tratamento a milhares de cidadãos em diferentes segmentos do Norte da Cisjordânia, já que Nablus é a segunda maior cidade da região, servindo também de resposta às populações que vivem em áreas rurais ou em campos de refugiados.  

A pandemia acentuou os constrangimentos do hospital para aceder a aparelhos médicos avançados, imprescindíveis para o diagnóstico e intervenções médicas que impeçam os pacientes de serem referenciados para unidades de saúde israelitas, cujo acesso devido à ocupação e autorizações necessárias, bem como os custos associados, constituem um tremendo obstáculo para a população.  

Dr. Majed Abu Jaish, Diretor Geral do Hospital salienta também que, em paralelo ao surto pandémico, o povo palestiniano tem“sofrido de ataques e ferimentos recorrentes resultantes da violência do exército israelita, bem como de doenças causadas pela poluição do ambiente e da água devido aos procedimentos da ocupação”.  

A Palestina ainda não é livre e nesse caminho para a liberdade é imperativo reconhecer a crise humanitária latente no território e como esta tem sido ofuscada pelo discurso ultranacionalista, deixando o povo palestiniano a viver numa prisão a céu aberto onde a vida normal é uma miragem e a fuga uma “regalia” de quem tem meios ou oportunidades para tal.  

Há inúmeras formas de ajudar a Associação e o Hospital da União de Mulheres Árabes, que necessitam de mais equipamentos médicos, melhores infraestruturas, staff qualificado e apoio financeiro. Esta é uma das centenas de organizações não governamentais que lutam diariamente no terreno pelas pessoas da Palestina que querem ver restaurada a paz e a dignidade que lhes foram arrancadas e negadas por gerações.  

Até quando? 

Fotografia © Ahmed Abu Hameeda sob a licença CCBY 2.0


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