Neemias Queta: «Quando jogo, luto contra todos os “nãos” que já ouvi»

De menino tímido num primeiro jogo de basquetebol de sandálias, a homem da NBA, aos 23 anos, Neemias Queta é uma grande promessa da liga mais famosa do mundo. Os seus singulares 2,13 metros de altura, conjugados com trabalho duro, sonhos resilientes e a resistência ao ‘não’ levaram-no à posição de poste na equipa californiana Sacramento Kings.

Quando aconteceu o primeiro jogo de basquetebol?

De sandálias e quase por acaso. Fui acompanhar a minha irmã ao Barreirense [Futebol Club] e não sabia que havia lá uma equipa a treinar basquetebol. Quando cheguei, perguntaram se queria treinar, eu aceitei. Tinha onze anos, podia ter corrido tudo mal e eu ter preferido ficar na rua com a malta do bairro. No entanto, algo me empurrou para essa escolha, para fazer a escolha naquele momento e tenha a certeza de que foi a melhor que podia ter feito.

Sentiste que estavas no lugar certo?

Não fiquei muito confortável, talvez por estar de sandálias, ou por ser um acaso. De qualquer forma, naquele momento, fiquei logo com um bichinho pelo basquetebol.

Antes desse dia, tentei jogar futebol, mas resultou. Já era muito alto, o que me tornava também muito desengonçado em relação aos outros miúdos em campo.

Depois, nos primeiros anos de basquetebol, os jogos eram mais uma diversão do que algo sério.
Saía da escola, não tinha nada para fazer e pensava “vou jogar basquetebol”. Mantinha-me em forma, viajava pelo país, tinha os meus amigos no Barreirense. A irmandade que se cria numa equipa de basquetebol é muito forte.

Quando se formou a ideia de uma carreira no basquetebol?

Tinha 17 anos e o Bruno Regalo, que era o nosso treinador no Barreirense, a certa altura, sacudiu-me para a realidade. Disse que eu tinha todas as condições para fazer uma carreira no basquetebol. Do Barreirense também já tinham saído outros jogadores rumo aos EUA, assim como vieram alguns de lá, em intercâmbios, então não era um objetivo descabido nem apenas um sonho. Podia ser real, podia ser concretizado, com muito trabalho, muito sacrifício, tal como foi e continua a ser todos os dias.

A partir daí, comecei a jogar na Seleção Portuguesa de Basquetebol, depois apareceu a proposta para jogar no Benfica. Nesse dia estava com a seleção para o EuroBasket Sub-18.

Passar de um perfil amador para jogador profissional foi um grande salto para um jovem de 17 anos.

Acho que esse foi o ponto de viragem de toda a minha vida. Percebi o que era preciso para ser profissional. Soube o quanto tinha de dar para chegar longe, o quanto tinha de trabalhar todos os dias. Ao mesmo tempo, acabar o 12.º ano para ser possível candidatar-me a um bolsa de desporto universitária, no exterior, se, um dia, hipoteticamente, surgisse essa oportunidade.

Como surgiu a hipotética bolsa universitária?

Foi na época do EuroBasket Sub-18. Após um jogo com Israel fui entrevistado e fizeram um vídeo comigo. Então, a Next Level Sports, que procura jovens atletas, contactou-me para saber se estava interessado em tentar uma bolsa universitária. O meu nome também já começava a ser falado nos EUA entre os treinadores universitários. Uma prova de que mesmo quando achamos que ninguém está a ver, devemos dar o nosso melhor.

Depois de tanto pensar e duvidar se era ou não capaz, por pouco não perdia tudo. O Europeu foi intenso e tive de fazer os exames nacionais em época especial, o que me deixou em suspenso até ao último minuto.

Nos EUA, deparei-me com uma realidade completamente diferente, não só em termos de país, mas na relação do desporto com o ensino.

“No bairro sonhamos tudo ou nada. Depende sempre do que nós próprios queremos tirar do presente e conseguir no futuro”

Os jovens portugueses deviam apostar mais no desporto?

Acho que em Portugal os atletas deveriam ter mais privilégios, talvez assim os jovens pensassem mais no desporto como algo profissional ou, mesmo como amadores, que vejam o desporto de forma séria ao longo da vida escolar e académica. E, mesmo depois desse tempo, como fonte de saúde, bem-estar, espaço de amizade e de valorização, onde se criam competências também muito importantes para outras áreas profissionais, como trabalhar em equipa, resistência e resiliência.

Um conselho para quem luta por uma bolsa desportiva?

Trabalhem muito quando ninguém está a ver para que, quando estiverem a ser observados, possam triunfar.

Quando jogo, luto contra todos os ‘nãos’ que já ouvi. Essa mensagem que gosto de deixar a quem quer fazer um percurso no desporto, nas artes, no jornalismo, em qualquer paixão que tenham.

Lutem todos os dias contra a negativa, contra a vontade de desistir, mesmo quando estiverem feridos, lesionados no físico como já estive, ou na alma.

Quando se cresce num bairro o maior medo são os ‘nãos’?

No bairro sonhamos tudo ou nada. Depende sempre do que nós próprios queremos tirar do presente e conseguir no futuro.

Claro que em casa, no café, no campo de jogos podes ouvir “isso é difícil conseguir” ou “estás a sonhar”.
No do Vale da Amoreira tens as histórias de vida mais terríveis a viver ao lado das mais belas, se for preciso. Há falta de dinheiro, famílias partidas entre os que ficaram em África e os que precisaram vir para Portugal. Solidão, fome, tudo isso. Mas, ali nunca ouvi alguém dizer “não tentes, não vale a pena”. Fora do Vale da Amoreira, ouvi sim.

Jogar fora de Portugal sempre foi um sonho?

Nunca coloquei essa opção ao longo da minha vida até àquele ponto do EuroBasket Sub-18 de 2017.
Como todos os jogadores de basquetebol, sonhava marcar um triplo no último segundo para ganhar uma final do March Madness, o campeonato de basquetebol universitário nos EUA. Ou fazer um triplo numa final da NBA.

São sonhos que todas as crianças e jovens devem acalentar, porque movem-nos. Sem darmos conta, os sonhos plantam a semente ou deixam o bichinho por alguma paixão de vida que temos. E quando menos esperamos, esses sonhos concretizam-se porque trabalhamos e fomos movidos por eles.

Ouvir o nome no Draft da NBA, em 2021, quando trinta equipas estavam a recrutar jogadores para a liga, foi uma confirmação da máxima: lutar sempre contra os ‘nãos’.

Foi incrível. Queria correr. Gritar. A primeira coisa que fiz foi abraçar a minha mãe. Tinha de ser o primeiro ato, porque também era o nome dela que estava a ser dito naquele momento de entrada na NBA.

Nesse minuto, exorcizei muitas coisas que ainda arrastava dentro de mim. Principalmente as dúvidas que tive num determinado momento e até me levaram a questionar se devia seguir em frente ou parar.

Talvez essas dúvidas estivessem plantadas por causa do que ouvi fora do bairro. Nunca vou saber ao certo. Naquela noite desapareceram.

Quando fiz o primeiro afundanço num jogo da NBA, quando ganhei um jogo, então foi uma explosão de concretizações.


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