Entrevista com João Correia, Secretário de Estado da Juventude e do Desporto

“Sem melhores salários não temos novas gerações emancipadas e talento aplicado em Portugal”

O acesso ao trabalho e à habitação é a grande aposta do Governo para a emancipação dos jovens nos próximos anos. Centenas de linhas mestras já estão desenhadas num plano a ser aplicado de 2022 a 2024 e ao qual João Correia, Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, pretende dedicar o seu trabalho nesta legislatura.

As orientações vieram do centro da Europa e as respostas foram dadas pelas associações de estudantes e pelo Instituto Português do Desporto e Juventude.

Portugal tem em mãos a oportunidade para recuperar o decréscimo da população jovem, registado ao longo dos últimos anos. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, pouco mais de um milhão de habitantes tem idade compreendida entre os 15 e os 24 anos. Os adolescentes e jovens adultos representam apenas cerca de 10% da população.

Portugal é um país para jovens?

Temos dedicado muito à juventude trabalhando com especial atenção na emancipação dos jovens, sendo um dos grandes objetivos da XV Legislatura assumida por este Governo a 29 de março de 2022. Posso dizer que, sim, somos um país para jovens, tanto que os tornámos prioritários na emergência social.

Um trabalho que Portugal, tal como os outros países membros da União Europeia, está a desenvolver de forma concertada com a Comissão Europeia, a começar pela definição de 2022 como Ano Europeu da Juventude, depois de se ter verificado que 2020 e 2021 foram anos muitos duros para os jovens. Um período em que a sua autonomia ficou muito comprometida.

Temos questões por resolver no acesso ao trabalho e a melhores salários; no acesso a cuidados primários de saúde, seja no serviço público ou no setor privado (em ambos as consultas de psicologia deviam ser mais acessíveis); sem esquecer o acesso ao conhecimento científico e à cultura.

Faltas que nos transportam para a prioridade da transformação social, de modo a conseguirmos recuperar o crescimento da nossa faixa etária mais jovem.

Temos mais jovens talentos além-fronteiras, do que temos dentro de portas?

São cada vez menos os jovens que decidem emigrar. É uma tendência que deriva das políticas públicas dos últimos seis anos e que importa acelerar com novas respostas, através das mais de 400 medidas do novo Plano Nacional da Juventude 2022-2024.

A pandemia e, agora, a guerra remeteram-nos para a emergência do Ano Europeu da Juventude e de colocar em prática um plano que, nos próximos anos, permita alavancar a qualidade de vida dos jovens e recuperar, ainda mais, a sua vontade de fixação em Portugal.

E quem é esta nova geração que fica em Portugal?

Os jovens de hoje representam, afinal de contas, a geração com maior acesso ao ensino superior e maior taxa de conclusão da formação superior desde o 25 de abril [de 1974].

Estamos perante a jovem geração mais qualificada de sempre. O abandono escolar é cada vez mais baixo. Em 2020, menos do que 1 em cada 10 jovens abandonou o sistema de ensino. Sabemos, também que, nesse ano, 45% dos jovens terminou o ensino secundário através de uma via profissionalizante. E o número de jovens que termina o ensino superior é cada vez maior.

Esta é a geração com mais visão e mundo, a que mais viaja, lê e consome. É também aquela em que a juventude se tornou uma longa fase da vida. Aos 15 anos os jovens entram no ensino secundário e, em média, saem de casa da família aos 30 anos. Também, em média, aos 31 anos, iniciam os seus projetos de construção de família.

Com a Europa a enfrentar a Covid-19 e a guerra na Ucrânia, o Ano Europeu da Juventude mantém-se prioritário?

A nível mediático corremos o risco de perder visibilidade, porque a guerra na Ucrânia e a pandemia continuam a ocupar a maior parte do espaço e tempo dos media e da opinião pública. Mas, nos bastidores, o trabalho para garantir a emancipação das gerações mais jovens está ativo.

O grande objetivo deste ano, em Portugal, passa pela aprovação do Plano Nacional da Juventude 2022-2024. Ainda em circuito legislativo, a aguardar aprovação, o documento deve ser aprovado até ao fim deste ano e elenca 400 medidas para garantir direitos fundamentais em áreas prioritárias para os jovens. Medidas definidas em concertação com a Comissão Europeia e de acordo com dados recolhidos pelo Instituto Português do Desporto e Juventude, através da auscultação de associações de estudantes em todo o país.

Como o novo Plano Nacional da Juventude vai intervir no futuro?

São grande foco deste plano a emancipação e autonomia; educação para a ciência; cidadania; estilos de vida saudáveis e cultura. Áreas através das quais se pretende promover a integração no mercado de trabalho, o acesso à habitação e estímulo ao empreendedorismo. Assim como o acesso a serviços públicos de qualidade e promotores da integração das pessoas jovens.

A promoção da emancipação e autonomia mantém-se no centro do trabalho a concretizar. Será alcançada através da igualdade; a aprendizagem informal e formal; igualdade no acesso ao ensino superior e na frequência do ensino superior; acesso à ciência e conhecimento científico.

Há ainda lugar para a promoção da cidadania através da participação ativa dos jovens no desenvolvimento sustentável; e promoção do acesso à fruição cultural e criação artística.

Na saúde espera-se conseguir promover a atividade física e estilos de vida saudáveis; a prevenção de comportamentos de risco; e o acesso à saúde por todos.

Direitos transversais a toda a sociedade que se têm revelado difíceis de alcançar pelas gerações mais jovens.

Será ambicioso garantir a emancipação dos jovens em três anos? Estamos a falar de 705,00 euros de salário mínimo para pagar 700,00 euros de renda de casa.

Reconheço que o atual contexto económico e social tem dificuldades acrescidas na emancipação dos jovens. É necessário mobilizar os jovens e os investidores para o mercado de trabalho português e isso requer melhores salários. Até porque sem melhores salários não temos novas gerações emancipadas e talento aplicado em Portugal.

O Governo tem trabalhado no aumento do salário mínimo nacional [em 2015 era 505,00 euros, em 2022 alcançou os 705,00 euros]. Também não podemos esquecer que os salários médios necessitam igualmente de uma revisão. Para concretizar isso é importante que as empresas possam oferecer boas condições de trabalho aos jovens licenciados, compatíveis com a sua formação e talento. Mas, as empresas estão a enfrentar uma recessão que ainda não sabemos onde levará Portugal e a Europa.

Depois, pelo que assistimos em 2021, com a contestação do Orçamento de Estado e a convocação de eleições antecipadas, percebemos que o aumento do salário mínimo nacional e do salário médio necessitam de grande concertação entre o Governo, os sindicatos e as empresas. Algo que pode ser difícil de alcançar.

No sector da habitação, por agora, o Governo está a trabalhar em medidas para que milhares de habitações tenham renda acessível.

Mas não pode ser tudo responsabilidade do Governo, as empresas têm o seu papel.

Para mudar será fundamental o mercado imobiliário adaptar-se à realidade dos jovens portugueses. Temos jovens com salários médios que, com esforço, conseguem fazer frente aos altos valores das rendas. Depois os que têm salários altos, com poder de compra que influencia o movimento no mercado imobiliário. Mas, aqueles que apenas contam com o salário mínimo nacional são a maioria e os mais novos, por isso é importante ter imóveis com rendas acessíveis para eles.

Quanto à quota de responsabilidades das empresas, sabemos o quanto tem sido difícil chegar a acordo. As dificuldades financeiras das pequenas e médias empresas são grandes, mas é preciso apostar nos salários para reter talento em Portugal. Nesse aspeto, sem a valorização dos jovens trabalhadores, nada será possível.

Além do trabalho e habitação que outros desafios e conquistas estão no caminho?

As nossas gerações mais jovens conquistaram a educação, o conhecimento, agora querem ter uma palavra a dizer sobre os seus direitos.

Se a educação e o exercício da cidadania foram elementos transformadores nos últimos 50 anos, então, hoje, os jovens devem ter acesso ao poder e aos lugares onde o seu futuro é decidido. Por isso, o Estado, cada vez mais, convoca os jovens a definir as políticas que têm influência direta sobre as suas vidas. Incentiva também a contratação de talento, abrindo concursos para centenas de novas vagas na administração pública.

Pela frente está também a procura de melhores soluções no ensino; no acesso à saúde, a transportes públicos de qualidade. E a defesa da sustentabilidade ambiental. Esse grande desafio do século XXI que nos colocou a olhar para o futuro do planeta.

Sendo a sustentabilidade ambiental um dos grandes desafios do século XXI, o que foi conquistado pelos jovens na Conferência dos Oceanos?

Durante o Fórum da Juventude e Inovação que decorreu durante a Conferência dos Oceanos e contou com a presença do secretário-geral da Organização das Nações Unidas, 150 jovens de 30 nacionalidades colocaram em cima da mesa ideias para salvaguardar o presente e futuro dos oceanos.

Foram apresentadas propostas sobre os portos e o transporte marítimo com zero emissões de dióxido de carbono, energias renováveis oceânicas, mapeamento dos oceanos e recolha do lixo marinho, sem esquecer a comida oceânica saudável.

Quando assumiu funções, em março passado, era este o plano que tinha em mente para a Juventude?

O meu foco principal é o Plano Nacional da Juventude para 2022-2024. Tenho consciência de que é ambicioso e será preciso um trabalho muito intenso, assim como o envolvimento de vários sectores da economia, desde a administração pública, à educação, saúde, desporto e cultura. Mas, também acredito que é possível fazer uma grande transformação ao longo dos próximos três anos e é nessa concretização que estou empenhado.

De autarca a secretário de Estado

Assumiu as funções de secretário de Estado da Juventude e do Desporto no final de março de 2022. Antes, João Correia foi autarca em Matosinhos, assessor em áreas como a proteção civil e os transportes, deputado e presidente de um clube de futebol.

Natural do Porto, onde nasceu em 1976, o secretário de Estado tem um percurso académico e profissional marcado pela gestão e assessoria. Em 2006 licenciou-se em Organização e Gestão de Empresas, pela Universidade Lusófona do Porto. Ainda durante a frequência da licenciatura, em 2005, assumiu funções como adjunto e chefe de gabinete do Governo Civil do Porto, onde se manteve até 2008. No mesmo ano e até 2009 foi assessor e chefe de gabinete da secretária de Estado dos Transportes.

Com 33 anos foi pela primeira vez deputado à Assembleia da República, cargo que ocupou entre 2009 e 2011 e entre 2013 e 2022. Durante os onze anos que teve assento na Assembleia da República assumiu também funções como adjunto do presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, de 2011 a 2013. Em paralelo liderou a União de Freguesias de Mafamude e Vilar do Paraíso, de 2013 a 2022. Também foi vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS, de 2015 a 2022 e presidiu a Comissão Eventual de Acompanhamento do Processo de Definição da “Estratégia Portugal 2030”.

Durante o seu percurso, João Correia ainda guardou espaço para se dedicar ao associativismo como presidente da direção do Clube de Futebol de Oliveira do Douro, de 2012 a 2018.


Fotografia: Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto


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