A imigração em massa em direção à Europa ainda agora « vai no adro ». E é bom precisar que apenas 10% da população em fuga de África e do Médio Oriente consegue chegar ao Mediterrâneo. Os restantes 90% tornam-se ou deslocados nos seus próprios países (IDP) ou refugiados nos países vizinhos, eles próprios incapazes de absorver todas essas famílias em debandada.
Quais são as causas profundas destes êxodos? Como controlá-los e transformá-los de maior desafio a curto prazo para a Europa numa oportunidade excepcional de acabar e compensar os terríveis erros que nós, os «ocidentais», temos vindo a cometer há, pelo menos, um século nessas regiões do mundo (Conferência de Berlim e a partilha de África em 1884/1885, e a partilha do Médio Oriente após o fim do Império Otomano em 1923).
Mas a transformação desse enorme desafio em oportunidade única, terá de ser conseguido antes que o mesmo degenere no maior pesadelo para a Europa desde o fim da II Guerra Mundial, com o regresso em força de regimes fascistas e o desencadeamento de uma III Guerra Mundial, cujo maior preço será pago pela Europa. Triste e lamentável é que a “Europa” não tenha sido capaz, com a incorporação da Rússia após a queda do muro de Berlim, de se constituir como o terceiro pilar global do Mundo, e estabelecer, assim, o equilíbrio necessário com o pilar norte americano (ou anglo-saxónico) e o pilar asiático que se vem construindo a todo o vapor (desejando que um quarto pilar – africano – venha a construir-se um dia).
O Mundo então com os seus quatro indispensáveis pilares, alcançaria a estabilidade e harmonia tão necessárias ao contrário do caos para o qual nos estamos todos a encaminhar precipitadamente.
E o mais dramático é que o cenário migratório já em curso, e insustentável a menos que seja feito um diagnóstico correto seguido de um tratamento adequado, já era previsível há pelo menos trinta anos (jamais esquecerei o encontro que tive em Washington com o antigo Secretário Geral da OCDE, Sr. Jean Bonvin, há cerca de 19 anos, que me disse então que vinte a vinte e cinco anos mais tarde iríamos assistir à maior vaga migratório global de toda a História), tal como eram previsíveis as alterações climáticas (basta lembrar que a Cimeiro do Rio data de 1992!) e o crescimento demográfico, com particular incidência em África, sem que nada, ou muito pouco, tenha sido feito para prevenir as duas maiores catástrofes humanitárias em curso: as alterações climáticas e a crescente onda migratória (para não falar da corrida armamentista e da robotização/inteligência artificial).
Qual a origem do fluxo migratório massivo em direcção à Europa e aos EUA e quais as suas causas profundas?
A deslocação em massa das populações em direcção à Europa e aos EUA, provenientes de África, do Médio Oriente e da América Latina não têm outra causa senão o medo, o terror, o mais profundo desespero quanto ao futuro devido à desgovernação, aos conflitos e à insegurança física, hídrica e alimentar…
E porque é que esse terror e esse sentimento profundo de inexistência não lhes faz temer a morte durante o êxodo? Porque, de facto, esses seres humanos em movimento imparável já se consideram mortos-vivos, sem mais nada a perder! As causas profundas são:
A – Conflitos versus «Democracia à bomba»
- A pseudo primavera árabe com, in fine, tal “cereja em cima do bolo”, a destruição total, o desmembramento e o caos da Líbia que provocou a mais absoluta insegurança na região do Sael. Insegurança essa que se alatra já mais para sul…
- A destruição do Iraque, da Síria – e para quando o Irão? – (após a zizania semeada no Afeganistão e, por ricochete, no Paquistão), conseguiram instalar o caos total no Médio Oriente, como se a não resolução satisfatória e ética do drama palestiniano não bastasse, o que esteve sem qualquer dúvida na origem e desenvolvimento do DAESH / Estado Islâmico / ISIS, com o apoio direto da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes e a conivência da Turquia de Erdogan… O ISIS alastrou-se e é mais perigoso a curto prazo para a Europa do que a Al-Qaeda!
- A ingerência na Ucrânia com o objetivo de fazer uma afronta à Rússia, violando e usurpando o poder constitucional então existente. Em vez de incluir a Rússia na Europa em 1989/1991 (queda do muro de Berlim e implosão da União Soviética) o que seria indispensável (população, valores cristãos e culturais, geoestratégia, energia, capacidade militar) para a construção de um verdadeiro pilar europeu, mas que os governos alemão, polaco, norte-americano e dos países bálticos nunca quiseram aceitar… A Europa (UE) e o Ocidente tudo fizeram para diminuir, humilhar e afrontar a Rússia conseguindo, como único resultado uma aproximação entre a Rússia e a China o que criou uma enorme ameaça para o Continente Europeu. Como foi possível governantes ignorantes acreditarem poder retirar a Crimeia à Rússia?! Meus Senhores, vão rever a História…
B – Subdesenvolvimento e pobreza/miséria crónicas e estruturais em África
E no entanto o bem informado e sábio René Dumont já tinha feito soar o alarme a partir de 1960 nos seus magníficos livros «L’Afrique est mal partie» (A África começou mal) e «Au nom de l’Afrique, j’accuse» (Em nome de África, acuso).
Os últimos quarenta anos «de ajuda ao desenvolvimento», devido au binómio «corruptor/corrupto» amplamente utilizado, assim como a ignorância e a incapacidade de estabelecer objetivos concretos a curto, médio e longo prazo em África, que beneficiassem as populações e não os seus dirigentes corrompidos, foram particularmente desanimadores, dececionantes e prejudiciais. Praticamente pouco ou nada ficou dessa ajuda ao desenvolvimento a não ser os eufemismos de apelação desses países que passaram de «subdesenvolvidos» a «menos avançados » a, finalmente, «em vias de desenvolvimento »… Tanta asneira arquitetada nas torres de marfim de certos iluminados, pseudo estrategas e peritos em desenvolvimento que mais não conseguiram que demostrar as suas incompetências, indiferenças, insensibilidades e irresponsabilidades!
A verdade é que, desde as independências, o fosso norte-sul só se aprofundou (bastando para isso comparar o PIB per capita, entre a Europa e a África de então e de hoje) na medida exata em que o desespero e a desesperança aumentaram a sul. E conhecedor que sou de 50 dos atuais 55 países do Continente Africano, sei exatamente do que falo…
África, com a conivência da maioria dos governantes, foi repartida à régua e pilhada à nossa conveniência inconsciente. Atualmente, já não tendo a Europa mão no jogo, está a ser cada vez mais confrontada com novos e poderosos «adversários », nomeadamente: China, Índia, Japão, etc.
C – Alterações climáticas
Os seus efeitos nefastos já estão em curso um pouco por todo o Mundo mas, a curto e médio prazo, tornar-se-ão verdadeiramente catastróficos, sobretudo em África, na América Latina e na Ásia Meridional e Central.
Conhecidas as causes e estabelecido o diagnóstico, impõe-se aplicar um tratamento realmente eficaz ainda que o seu pleno efeito só possa conseguir-se daqui a trinta anos no mínimo dos mínimos!
Atualmente, dezenas ou centenas de milhares de pessoas, ou milhões, estão em movimento ou olham para a “Europa” e para Norte do Continente Americano (EUA e Canadá) como o último El Dorado possível. Mas rapidamente, a corrente migratória vai-se multiplicar exponencialmente de quatro direções principais:
- África com os seus três eixos de penetração (Somália, Eritreia, Etiópia, Egito ou Sudão por um lado; Líbia, Tunísia, Mali, Nigéria, Chade, República centro-africana, Congo ou Burundi por outra parte e, por último, através de um terceiro corredor, Senegal, Mauritânia, Guiné, Libéria, Marrocos ou Argélia)
- Médio Oriente com sírios, afegãos, paquistaneses, curdos, iraquianos ou palestinianos
- América Latina
- Europa de Leste e Ásia Meridional.
A Europa e os EUA estão-se a constituir cada vez mais como fortalezas: muros, arame farpado, medidas securitárias, nomeadamente militares, sucedem-se! No entanto não é certamente essa a solução, tanto mais que, como a História nos ensina e como não me canso de repetir ad nauseum há anos, «não há montanha inacessível, nem obstáculo intransponível, nem fortaleza inexpugnável»: o Everest foi vencido, a muralha da China foi vencida pelos mongóis, o Crac dos Cavaleiros Cruzados na Síria foi ocupado, a fortaleza de Constantinopla foi tomada pelos otomanos, o desembarque foi possível na Normandia… E estes são apenas alguns exemplos.
D – A robotização e a Inteligência Artificial
Com capacidade de auto-aprendizagem de autonomia energética e com capacidades cognitivas surpreendentes que provocarão nas próximas décadas o desemprego de centenas de milhões de pessoas, a começar pelos menos diferenciados para já…, em todo o mundo, inclusive também na Europa e na América do Norte.
Então que fazer ?
- Parar de provocar conflitos à volta da Europa, seja na África do Norte, no Médio Oriente ou na Ucrânia… e, na medida do possível, com equidade e transparência, tentar acabar com as catástrofes e repor todos esses comboios descarrilados nos carris. Para tal seriam, evidentemente, necessários homens/mulheres políticos com conhecimento, visão estratégica, sentido de Estado e de diálogo, vontade, determinação, sensibilidade humana, bom senso e não ignorantes aprendizes feiticeiros e demagogos com vistas políticas curtas.
- Estabelecer um verdadeiro «Plano Marshall» de pelo menos, cem milhões de milhões de euros para África, Médio Oriente e América Latina, geridos em três fases: Urgência – Reabilitação – Desenvolvimento, para os próximos dez anos. Loucura? De maneira nenhuma, se pensarmos que o “clash” financeiro absorveu muito mais desde 2008. E ainda não sabemos o que está para acontecer sobre essa sigilosa matéria! Gerido de forma transparente, assim que for anunciado inequívoca e responsavelmente, faria renascer a esperança nas três regiões de onde nos chegam todos os desanimados e mortos-vivos de uma política e de uma economia irresponsáveis e assassinas. Este montante, ainda que insuficiente para reconstruir tudo o que ajudámos a destruir, serviria de motor para um verdadeiro renascimento e esperança: paz, saúde, alimentação, água, educação (incluindo o ensino das novas tecnologias: TI, Robótica e Inteligência Artificial…), agricultura, irrigação, energias limpas, indústrias transformadoras de matérias primas em África… Governos responsáveis e sociedades civis organizadas (derradeira fortaleza contra o Apocalipse, como muito bem o afirmou, há uma dezena de anos, Jacques Attali), em África e na Europa, seriam os garantes da boa utilização desses fundos. Acabar-se-ia, tanto quanto possível, com o binómio corruptor/corrompido e com a pilhagem sistemática das matérias primas de África !
- Um plano de imigração bem estruturado e organizado para a Europa e a América do Norte. Em involução demográfica, a Europa e a América do Norte precisam urgentemente de mão de obra a vários níveis. Não se trata, como é evidente, de «roubar» a matéria cinzenta de África da América Latina e do Médio Oriente! Trata-se de saber exatamente do que necessitamos para as nossas atividades e de receber dignamente todos esses seres humanos. Relembro aqui que África está com um crescimento demográfico anual de 2,9% enquanto a Europa não atinge os 1,4%. Só o Níger, cresce à razão de 3,9% por ano! É por isso do interesse de todos que os vasos comunicantes possam funcionar de forma controlada. África, como bem previu o Sr. Jean Bovin, já está a por no mercado de trabalho mais jovens do que o conjunto dos seguintes países: Estados Unidos, Canadá, Estados membros da União Europeia, Japão e Rússia. Ao restabelecer a Paz, a Esperança e o Desenvolvimento a Sul e a Este da Europa e na América Latina, a natalidade tenderá forçosamente a baixar, o que não nos impede de lançar um plano de aumento da natalidade na Europa. É muito importante relembrar que precisamos de uma natalidade de 2,2 crianças/mulher para estabilizar a nossa população, atualmente em involução (sendo que Portugal bate o record com apenas 1,2 crianças/mulher) e envelhecimento acelerados. Dito isto, o plano de imigração deve também, evidentemente, prever um nível securitário que impeça a infiltração, entre os candidatos à imigração, de elementos do Estado Islâmico e outros movimentos fundamentalistas terroristas que tentam e tentarão sempre introduzir-se nos inúmeros cavalos de Troia que todos os dias desembarcam na Europa. Para que haja tolerância e diálogo intercultural e inter-religioso é essencial a coexistência com respeito mútuo e reciprocidade de tratamento!
De facto, e em resumo, tal como qualquer bom médico age, é preciso primeiro estabelecer um diagnóstico correto e aplicar de seguida um tratamento eficaz que possa resolver simultaneamente as causas intrínsecas/endógenas e as questões extrínsecas/exógenas do drama em curso da imigração diária em massa.
Já não podemos fazer de conta que não vemos, pois corremos o risco de um dia sermos todos acusado de crime por não assistência a povos em risco e até mesmo a planeta em perigo!
Se não o fizermos desde já, são a Democracia e a Paz na Europa que estarão em causa rapidamente. É simples.
Fernando de La Vieter Nobre
João Basso says:
O diagnostico faz sentido mas a solução não faz ou pelo menos não responde ao proprio diagnostico feito.
De que serve “atirar” 10 mil milhões de euros ao problema se a corrupção tratará de levar a maior parte do dinheiro? É um problema sério… a meu ver sem solução obvia.