“A avó veio trabalhar”

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“A Avó veio trabalhar” é um projeto criado pela designer Susana António e o psicólogo Ângelo Campota, cuja ideia surgiu mais do que de um propósito, de uma inevitabilidade: desconstruir o estigma de que a função dos maiores de 65 anos é irrelevante do ponto de vista criativo.

Desde o desenvolvimento de workshops e sessões de team-building, à criação de campanhas publicitárias, de merchandising para festivais até aos adereços de mesa para uma edição do festival de Cannes, estas mulheres são procuradas, pelo seu know how, criatividade e sapiência.

a avo veio trabalhar Há muito para dizer sobre este estúdio localizado num pequeno largo adjacente à Morais Soares, em Lisboa, onde as cores e texturas que se refletem do interior do espaço despertam a curiosidade dos que por ali passam impelindo-os a entrar

É um espaço livre onde mulheres, “as avós”, criam peças de design inspiradas nos seus saberes tradicionais e lavores domésticos, inspiraram nas suas identidades, com as suas assinaturas.

O projeto nasceu há cerca de cinco anos, com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, como um modelo de negócio vocacionado e dirigido a pessoas com mais de 65 anos. A grande aventura começou quando os fundadores, Susana e Ângelo, conseguiram encontrar um espaço independente onde a ideia de “centro de dia” pudesse ser totalmente rejeitada e onde a liberdade criativa imperasse nos moldes que visionavam.

“A idade” e o saber

As avós e artesãs nunca, deixam de ser o epicentro de criação deste projeto. A idade é usada “como um super-poder”, poder este que despertou a curiosidade de inúmeras organizações da sociedade civil, empresas e meios de comunicação, o que levou a avó a trabalhar em diversificados “palcos”, numa lógica de intergeracionalidade e community intersection.

A alma do lugar

A energia do estúdio onde as avós trabalham, em conjunto com o Ângelo e a Susana, é estimulante num décor retro-vintage e urban jungle, inspirado na imagética da casa das avós, reflexo genuíno da individualidade de quem faz dele o seu local de trabalho.

“É uma casa de todos (…) – explica Ângelo Campota, co-fundador da iniciativa, “um projeto desta natureza só faz sentido se tiver contacto direto para a rua e para a comunidade. Nós não somos um centro de dia, não somos um lar, nem queremos manter a privacidade das pessoas, porque isso vai contra a nossa missão de quebrar estereótipos e para isso é necessário permitirmos a quem passa, saber o que se está a passar aqui dentro, e sentir vontade de entrar e ver um conjunto de mulheres, avós, artistas a criar e assim passar um legado deste património imaterial, que são estes saberes e lavores tradicionais.”

As avós

A avó Fernanda e a avó Maria estão ambas focadas em desenvencilhar um novelo de lã, enquanto as avós Hilda e a Rosa se dedicam a escolher cores e a criar pequenos adereços para peças. A conversa é farta em histórias contadas e revividas, entre relatos de experiências cinematográficas e viagens de avião para além-fronteiras, no quadro deste projeto.

Ao perguntarmos à D. Fernanda, que há sete anos faz parte desta casa, se havia algum ofício que tivesse aprendido no estúdio, explica-nos que “nunca tinha feito tear à mão. Para mim, foi interessante, porque ainda tenho boa cabeça e aprendo facilmente, mas é preciso interesse e dedicação”.

Conta-nos ainda que um dos pontos altos da relação de amor entre as avós e este projeto foi uma viagem à Holanda com o intuito de expor a sua coleção de bordado em fotografia. A avó Fernanda conta entusiasmada: “foi um sucesso, vendemos tudo! Os holandeses tiveram de cá vir a Portugal buscar mais. Temos vivido de tudo nesta casa… temos pintado a manta!”

A pandemia teve efeitos nocivos na prosperidade deste projeto, que de momento luta pela sobrevivência de todas as formas possíveis. A “Avó veio trabalhar” tem um ativo importante a seu favor: a criatividade. São este tipo de projetos e ideias, que dependem diretamente das dinâmicas que geram nas diversas comunidades onde se inserem, que mais ameaçados ficam quando o mundo pára. Durante a pandemia, as avós criaram kits de bordado “DIY”, para quem quisesse aprender a arte à distância, mas o futuro é incerto para estas mulheres que nele apenas vêem uma certeza: a de querer continuar a viver esta aventura de “virem trabalhar”!


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